A epidemia do crack mudou o perfil da segurança pública no Brasil

Artigo do secretário da Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari, mostra avanço da droga e suas consequências
Publicação
04/11/2009 - 13:37
Editoria
Entre os anos de 2004 e 2008, o número de pedras de crack apreendidas no Paraná aumentou assustadoramente em mais de 1.110%. Neste curto espaço de tempo, saímos de cerca de 118 mil pedras apreendidas para mais de 1,4 milhão de pedras em 2008. Até o fim deste ano, devemos ultrapassar a largos passos os dois milhões de unidades apreendidas. Estes números não deixam dúvidas: vivemos a epidemia do crack na sociedade brasileira. E ela está profundamente relacionada com aguda crise urbana e social que vivemos nos grandes centros e que também faz sofrer as famílias das pequenas cidades. Subproduto da cocaína, esta droga quando ingerida chega ao cérebro em 15 segundos. E, em apenas 15 minutos, o usuário já está ávido para consumi-la novamente. Há estudiosos que afirmam categoricamente que, mesmo consumido uma só vez, o crack condena mais um pobre soldado para engrossar as fileiras do seu gigantesco exército de dependentes químicos que, em pouco tempo, irão matar e morrer. O professor e coordenador do curso de Ciências Sociais da PUC/MG, Luiz Flávio Sapori, é taxativo em seu blog quando afirma que o tráfico do crack é muito mais “criminógeno” do que o tráfico da cocaína ou da maconha. E também está correto quando diz que o crack provoca um grau de dependência que não tem paralelo na cocaína e muito menos na maconha. Por isso, o perfil da segurança pública mudou consideravelmente em poucos anos. Antes da disseminação desta droga, as polícias brasileiras lidavam com bandidos sob efeito da cola de sapateiro e por vezes da maconha. Hoje, os usuários de crack são extremamente violentos e, com uma arma na mão, são os responsáveis por matarem a si mesmos e a pessoas inocentes em roubos para sustentar o vício. Apesar de ainda ter na pobreza seu maior número de usuários, o crack se infiltrou e também faz vítimas nas classes média e alta. Os usuários estão em muito maior número do que há dez anos, são extremamente mais violentos e mudaram o perfil da violência enfrentada pela polícia e sofrida pela sociedade. Para citar apenas um exemplo, em abril deste ano, pleno feriado de Páscoa, uma mãe matou seu filho em Porto Alegre. Enlouquecido pelo vício, ele ameaçou explodir a casa da família caso a mãe não pedisse dinheiro ao vizinho. Amedrontada com a ameaça do filho que quebrou toda a cozinha, ligou o gás e estava com um isqueiro na mão, a mãe se armou com um revólver calibre 44 e no momento em que atiraria para cima, o pai tentou impedi-la. O tiro acertou a garganta do rapaz de 25 anos, que morreu na hora. A mãe foi indiciada por homicídio culposo. No ano passado, o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, Osmar Terra, levantou uma bandeira essencial no combate às mazelas causadas pelo vício do crack. Segundo ele, o poder público precisa trabalhar a epidemia do crack como se fosse o de uma outra doença qualquer. Precisamos multiplicar e organizar o sistema de saúde mental e garantir o tratamento aos usuários. Defendo que o combate a esta praga seja amplo e complexo. Precisamos da reurbanização das cidades para diminuir o poder do tráfico e dos traficantes de fazer reféns pessoas miseráveis e sem expectativa de vida. Precisamos das polícias estaduais na luta pela apreensão das drogas e prisão dos traficantes. A Polícia Federal deve fechar o cerco à importação de insumos como o permanganato de potássio, essencial na produção do crack. O Poder Legislativo precisa ser rápido na criação de leis que tratem esta droga como uma praga da sociedade e é inevitável uma nova visão ao Poder Judiciário para tratar os crimes investigados e cometidos em relação ao crack. É necessário que as famílias busquem se aproximar de seus filhos, se informem sobre o assunto e se rebelem contra esta droga que dizima todos os dias uma parcela dos nossos irmãos, amigos, familiares, conhecidos e compatriotas. Mais que isso. Atentem a um dado espantoso: hoje, o desemprego entre os pobres, nas Regiões Metropolitanas, chega a absurda taxa de 23%. Entre os mais ricos, essa taxa é de apenas 4% e a taxa média de desemprego no país é de 8%. Com uma taxa de desemprego entre os pobres tão escandalosa, como devemos discutir a segurança pública e o poder dos criminosos que se apoderam desta legião de desempregados? A miséria que leva ao tráfico, à dependência e que gera a violência, está na raiz da nossa crise. E toda esta política social em prática hoje no país não faz mais que cócegas nos índices de miséria. Nós precisaríamos de um século de Bolsa Família para mudar uma vírgula. E para transformar toda esta realidade, o que precisamos? Luiz Fernando Delazari é secretário da Segurança Pública do Paraná