A regulação do sistema financeiro global é um dos pontos fundamentais para o enfrentamento da crise econômica, disse nesta quinta-feira o gerente de Investigações Econômicas do Banco Central do Uruguai, Gerardo Licandro. Ele participou do seminário “Crise: Desafios e Soluções na América do Sul”, em Foz do Iguaçu.
“Hoje, temos um sistema global, mas sem regulação e supervisão. É como pais divorciados que não coordenam a educação dos filhos. O mesmo se passa no sistema financeiro. Se ele é comum, mas não tem uma autoridade para regulá-lo completamente, há problemas institucionais”, argumentou Licandro.
“O sistema financeiro tem que ser mais controlado, tem de ser menor. Há uma sobrecarga de dívida pública nos países desenvolvidos. Os Estados Unidos, por exemplo, tinham, antes mesmo da crise, uma dívida interna 3,5 vezes maior que o valor do seu Produto Interno Bruto”, argumentou. “A longo prazo, outro desafio é o desaparecimento do dólar como a moeda internacional. Teremos de encontrar solução para isso”, disse.
EXPERIÊNCIA – O uruguaio apresentou trabalho que o governo do país desenvolveu para enfrentar a crise que enfrentou em 2002. Para Licandro, são ações que podem ser exemplo para os dias de hoje. De acordo com ele, em 2009 o governo uruguaio deve manter estratégia semelhante à de sete anos atrás, para ajudar o setor privado a enfrentar a crise e redistribuir os investimentos previstos no orçamento.
“Os objetivos da política econômica em 2009 são manter a responsabilidade fiscal e preservar a estabilidade da inflação, além de trabalhar para diminuir o choque externo. Neste sentido, o governo articulou uma série de medidas pontuais, com uma lógica de coordenação com o setor privado”, explicou Licandro.
Assim, o governo uruguaio trabalhou para segurar as taxas de câmbio e manter a inflação abaixo de 10%, conforme determina a legislação local. “Para o Uruguai, quando o câmbio sobe muito, há problemas, como na Argentina. Ao mesmo tempo, quando caem as reservas, também há problemas”, comentou.
O ajuste no câmbio foi adotado após o fracasso da tentativa de manter a taxa fixa fracassou. Ao mesmo tempo, era necessário impedir a livre flutuação do câmbio. Segundo Licandro, isso implicaria em remanejar reservas internacionais. “O Uruguai tinha grande quantidade de reservas, cerca de 30% do PIB, a maior da história. Mas, se ficamos frente a uma crise internacional de duração indeterminada, pode-se precisar dessas reservas”, disse.
“A inflação no Uruguai fica próxima a 10% ao ano. Mas, se somos muito rígidos controlando a inflação, temos que controlar o câmbio, não deixar o dólar subir muito. Para fazer isso, temos que perder muitas reservas. E, se perdemos reservas, como em 2002, elas se tornam insuficientes, o que poderia gerar uma corrida ao sistema financeiro, que é sólido, mas sujeito a problemas de confiança e aos sistemas financeiros no mundo”, avaliou.
Licandro disse que este era o maior desafio da política monetária. “Se a inflação ultrapassa os 10%, a indexação salarial é modificada, conforme prevê a lei. Aí, tínhamos que reajustar antes os salários, o que toca o processo de inflação”, explicou. “Em dezembro, aumentamos a taxa de juros de 7,75% para 10%, e fizemos um pacote de medidas para subsidiar este tipo de medidas, que evitaram que o Índice de Preço ao Consumidor ultrapassasse 10%”, contou.
Como a proposta foi bem sucedida e as expectativas de inflação ficaram dentro do ramo de tolerância, o Banco Central pôde baixar a taxa de juros de 10% para 9%, depois de ter aumentado a mesma taxa por curto prazo. “Se deixamos subir a taxa de juros, o investidor tem incentivo para usá-la, não perde tanta reserva e o câmbio não sobe tanto, não é tão volátil. Porém, não controlamos a tendência cambial. Tivemos flexibilidade, mas não volatilidade”, comentou Licandro.
Para fortalecer as reservas, foram contatados organismos internacionais para financiar projetos, caso houvesse problemas. “Aumentamos em cerca de 15% as reservas em termos de ativos contingentes. O pânico cedeu e, quando isso aconteceu, a pressão no mercado cambial diminuiu, fazendo com que as coisas voltassem ao normal. Esta foi nossa resposta ao pânico financeiro”, afirmou.
Segundo Licandro, a economia uruguaia tem respondido bem às políticas adotadas, e o país fechou 2008 com crescimento de 8,9%. “Isto não significa que o país não sente os efeitos da crise. Sente, e vai sentir mais porque, historicamente, o ciclo real da economia uruguaia é seis meses atrasado em relação ao ciclo regional. Então, o que o Brasil sente agora, o Uruguai vai sentir em seis meses ou mais. Hoje, o Uruguai é maravilhoso. Em seis meses, não sabemos”, comentou.
Até agora, houve queda nas exportações e na produção industrial, ainda que menor que em outras partes do mundo. “Portanto, as expectativas para o Uruguai são melhores do que para o resto da região”, falou Licandro.