Identificar o ponto que justifica a grande evasão do aluno indígena da universidade é o principal objetivo proposto pela Programa de Apoio de Licenciatura Indígena (Prolind), órgão do Ministério da Educação (MEC). Para isso, as atividades do programa, que começaram a ser desenvolvidas em setembro passado, tiveram seqüência neste mês com nova visita dos antropólogos Thiago Garcia, servidor do MEC e da coordenação geral de Educação Escolar Indígena, e de Cláudia Signori Franco, consultora PNUD/MEC, e coordenadora geral de Estudos e Avaliação.
Os dois, que integram a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, concluíram mais uma das etapas de avaliação do Prolind, por meio de visitas a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), em Cascavel, e as tribos indígenas nas cidades de Nova Laranjeiras e Rio da Cobras.
A atuação do Prolind se desenvolve em três diferentes eixos: com cursos de licenciaturas voltadas para Pedagogia (para o ensino nas terras indígenas e cursos específicos criados especificamente para os índios estudarem); com o apoio a essa implementação; e com a questão do acesso e permanência de indígenas de universidade em cursos regulares. É neste último, de acesso e permanência, que se encaixa o programa desenvolvido na Unioeste.
Novos desafios - De acordo com Cláudia Franco, o acesso do indígena na Universidade, em qualquer região do Brasil, foi pensado inicialmente como um problema, um impedimento, como algo que seria uma barreira para o aluno ingressar no curso superior. “Assim, ações afirmativas voltadas para o ingresso desse aluno foram desenvolvidas em diversas instituições”. Como exemplo foi criada a política de cotas, em Brasília, ou das vagas excedentes, com vestibular diferenciado, nas universidades estaduais do Paraná.
“São iniciativas distintas com o mesmo objetivo: trazer o indígena para a Universidade”, diz Cláudia, ao explicar que com esses incentivos acreditava-se que seria resolvido o ingresso deles na Universidade. “O ingresso é permitido, é diferenciado e favoreceu o indígena, mas ao longo desses anos - na Unioeste o acesso vem se realizando há 5 anos, entre outras iniciativas mais recentes - observa-se que o acesso em si não garante o êxito da trajetória acadêmica de um aluno indígena”, afirma a antropóloga.
A partir dessa constatação, técnicos ligados a esse programa perceberam que havia dificuldade de se atingir o objetivo dessa trajetória, identificando-se problemas com a permanência desse aluno na academia.. “Colocar o índio na Universidade é fácil, garantir a permanência do índio em cursos universitários regulares é ainda um tabu, um assunto corriqueiro nos corredores, mas ainda não divulgado nas reuniões de colegiado”, aponta Cláudia.
Início do projeto - Em busca de soluções para o impasse, em setembro passado, Thiago Garcia e Cláudia Franco estiveram na Unioeste e na Reserva Indígena Rio da Cobras, onde pela primeira vez mantiveram contato com os índios sobre o acesso e permanência na Universidade. Ali também fizeram algumas entrevistas. De volta a Brasília, analisaram o material colhido e confirmaram a hipótese de que a permanência era o problema e não o acesso. “Verificamos que a permanência não é só um tabu para a Universidade, mas é também para os indígenas e indigenistas que estão sempre atrelados a questão”.
Na seqüência dos trabalhos foi formado um grupo, com três antropólogos e uma economista e gestora púbica, que discorreu sobre um projeto de pesquisa para identificar essa permanência. Para a materialização disso implantou-se um projeto, em nível nacional, para estudar a questão do acesso e permanência. Foram definidas duas experiências por região e, no caso da região Sul, que é a primeira etapa, vai ser desenvolvida no Estado do Paraná, na Unioeste, e no Estado do Rio Grande do Sul, em Passo Fundo. A terra indígena do Rio Grande do Sul será a Terra Indígena Guarita, e no Paraná/Unioeste é a Rio da Cobras. Ambas áreas são as maiores espacialmente.
Cláudia explica que a escolha da metodologia está definida por duas experiências na Região Sul, onde cada uma adotou a territorialidade, como eixo, e a etnia, com os índios caingangues. Foram construídos instrumentos de pesquisa e coleta de dados direcionados aos profissionais (como pessoal da biblioteca, apoio administrativo, laboratórios), docentes, discentes não indígenas e discentes indígenas.
A pesquisa - No Paraná o projeto teve início neste mês, com questionários aplicados aos alunos do ensino médio indígenas, que tem interesse em ingressar na Universidade. Também foram ouvidas lideranças e representantes da população regional da terra indígena na comunidade de Nova Laranjeiras para poder sentir como eles percebem o indígena e identificar algumas características existentes entre os dois. “Os questionários foram bastante proveitosos, tanto os aplicados aos indígenas quanto aos não indígenas no município de Novas Laranjeiras”, observou a pesquisadora.
Já na Unioeste, os técnicos do MEC foram apresentados ao universo escolar, formado por profissionais, professores, alunos não indígenas, que tem ou tiveram relação com os alunos indígenas. Foram três dias de coleta intensiva, com 100 questionários preenchidos. “Parece que há uma angústia, um desejo em se discutir algo pouco falado, mas que está sendo imposto por uma política estadual e que não se sabe como resolver. A pesquisa serviu não só para coletarmos os dados, mas para os professores canalizarem todas suas ansiedades e frustrações diante do ingresso desses alunos”, observou Cláudia.
Agora, os dados serão analisados e tabulados e numa próxima etapa, de março a maio de 2007, os técnicos retornam para organizar um grupo focal -dinâmica de grupo para aprofundar discussões sobre o tema- com os professores que participaram da pesquisa. O produto, o objetivo, dessa pesquisa é dar publicidade a questão da permanência e identificar, através dos relatos, quantitativos e qualitativos, o que de fato há por traz da resistência dos indígenas em vir para os cursos universitários. “É a falta de recursos financeiros? A distância da aldeia? A educação básica insuficiente?, questiona ela, explicando que todas são hipóteses. “Agora o estudo vai ter que indicar quais delas serão refutadas ou não”.
O que fazer - O resultado final desse estudo deverá ser publicado e divulgado em seminários, regionais e locais, onde foi feita a pesquisa, para dar visibilidade não só ao indígena, mas chamar a comunidade envolvente à universidade para essa questão. Claudia entende ser esta uma iniciativa corajosa do MEC, porque “a partir do momento que dermos visibilidade à questão as críticas vão vir da academia, dos indigenistas e dos indígenas. Mas é um trabalho necessário porque estamos democratizando as políticas públicas de ingresso, acesso e permanência do indígena na Universidade e com isso, poderemos garantir, a longo prazo, o sucesso e a implementação dessas políticas, o reconhecimento e a preparação para as diferenças”.
Para a antropóloga Claudia , hoje se fala das diferenças, mas não se conhece as diferenças. Daí se explica a opinião pública contrária à política de reserva de cotas, à política diferenciada e a política de vagas excedentes para os indígenas.”Ela pouco conhece e essa ignorância acaba resultando na negativa desse assunto”, afirma, entendendo que, por outro lado, dando-se visibilidade, esclarecendo a população e aos indígenas no que consiste e o objetivo do programa, além de instrumentá-lo com as ferramentas necessárias para essa permanência, não há porque não dar certo. “Penso que a democratização da informação possa ajudar e contribuir em nível regional para o esclarecimento da população sobre a proposta e o que é essa política, atingindo assim não só o universo da Universidade, mas toda a população”, concluí.
Projeto quer evitar evasão do aluno indígena da universidade
A escolha da metodologia está definida por duas experiências na Região Sul, onde foi adotada a territorialidade como eixo e a etnia dos índios caingangues
Publicação
08/12/2006 - 14:56
08/12/2006 - 14:56
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