Projeto nacional deve libertar homem da escravidão do mercado, diz Darc Costa

Ex-vice-presidente do BNDES defendeu a volta do antropocentrismo e que a crise levará à mudança
Publicação
11/12/2008 - 11:59
Editoria
O projeto nacional brasileiro deve ser capaz de tornar o País “um centro que não seja um império”, uma nação “solidária, fraterna e justa”, disse nesta quinta-feira (11) o engenheiro Darc Costa, doutor em Engenharia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-vice-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Qual será nosso destino nessa crise? Isso é o que nosso projeto de nação deve responder”, defendeu. “Para isso, é preciso colocar negócios e técnicas a serviço do homem, tirar o homem do serviço da técnica, da escravidão do mercado e do consumo. Temos de ser livres, mas também de ser libertos”, afirmou, em sua participação no seminário “Crise — Rumos e Verdades”, promovido pelo Governo do Paraná no Canal da Música, em Curitiba. “A crise é uma ruptura com o conhecido, o imaginado e o imposto. A crise leva à mudança. Foi sob crises que o projeto civilizatório avançou”, explicou Costa. “Hoje, vivemos a crise da ciência, com perda da fraternidade, da solidariedade, e a subordinação total ao consumo, à técnica. Hoje, somos escravos da técnica, somos servos do consumo. Temos de colocar de novo o homem no centro do mundo”, argumentou. “O Estado é o que nos separa das hordas selvagens, é um pacto silencioso entre os homens. Ela se dá em torno de princípios comuns expressos numa constituição”, disse o engenheiro. “Com a Revolução Francesa, cada cidadão tem que ver no projeto do Estado seu próprio projeto, de forma a legitimar o Estado. Ai está a gênese do projeto nacional”, lembrou. “Um projeto nacional deve ter duas vertentes. A vertente externa do projeto explica como devemos nos inserir no mundo. A vertente interna deve construir nosso próprio mundo”, definiu Costa. “O Brasil teve um projeto nacional, na vertente interna, após 1929. Esse projeto durou 50 anos, com Getúlio Vargas, sem Vargas, e contra Vargas, no pós-64. Ele apoiava-se em três pilares, a industrialização, a urbanização e a integração nacional”, relatou. “Agora, precisamos ter outra vertente – a ação social. Pois urbanizar não é encher cidades, é dar emprego, saúde, habitação, saneamento. Um projeto nacional deve observar as primeiras três, e ter a componente social maximizada. Nosso projeto deve estar voltado para vencer os desafios da crise, criando um mundo novo no mundo em que estamos”, defendeu o engenheiro. Costa participou da mesa “O Brasil e o projeto nacional frente à crise”, ao lado do ex-presidente do BNDES, Carlos Lessa, do economista Ricardo Carneiro, doutor em Ciência Econômica pela Unicamp, e do jornalista e cientista político César Benjamim. Leia os principais trechos da apresentação da Darc Costa. CINCO SÉCULOS DE CRISES Vou fugir da conjuntura e me prender a um olhar de longo prazo sobre os temas crise, estado nacional e projeto nacional. A crise é uma ruptura com o conhecido, o imaginado e o imposto. A crise leva à mudança. Foi sob crises que o projeto civilizatório avançou. Se analisarmos os últimos cinco séculos, vemos três grandes crises — a crise da separação entre fé e ciência, no século 16, a crise da fé, nos séculos 17 e 18, e a crise da ciência, que vem dos séculos 19 e 20. A crise da fé deu origem a um mundo antropocêntrico, com o Renascimento, levou ao mercantilismo, aos descobrimentos, à descoberta da América e do Brasil, à criação do conceito de nação, de estado nacional. A crise da fé, nos séculos 17 e 18, traz uma progressiva morte de Deus, um abandono da religião, traz a gênese da revolução industrial e o surgimento do capitalismo. Nela surge também o moderno estado nacional. Hoje, vivemos a crise da ciência, com perda da fraternidade, da solidariedade, e a subordinação total ao consumo, à técnica. Hoje, somos escravos da técnica, somos servos do consumo. Temos de colocar de novo o homem no centro do mundo. ESTADO É PACTO ENTRE OS HOMENS O Estado é o que nos separa das hordas selvagens, é um pacto silencioso entre os homens. Ela se dá em torno de princípios comuns, expressos numa constituição. O Estado nacional surge quando o rei tira dos feudos o monopólio do uso legítimo da força, e cria também outro conceito, a moeda. Onde está a moeda, com a face do rei, está também o Estado. O moderno Estado nacional surge da crise do absolutismo. Com a Revolução Francesa, o rei deixa de ter o poder, passamos ao poder da cidadania. Assim, cada cidadão tem que ver no projeto do Estado seu próprio projeto, de forma a legitimar o Estado. Ai está a gênese do projeto nacional. O Brasil surgiu na primeira crise, e se tornou independente durante a segunda crise. Qual será nosso destino na terceira crise? Isso é o que nosso projeto de nação deve responder. A TOLERÂNCIA COMO BASE DO PROJETO NACIONAL Um projeto nacional deve ter duas vertentes. A vertente externa do projeto explica como devemos nos inserir no mundo. A vertente interna deve construir nosso próprio mundo. O que perseguimos? Toda periferia quer ser centro. Toda barbárie quer ser culta. Eis o caminho que conduz toda a existência racional. O projeto de Estado, qualquer que seja, é tornar o Estado centro. Geográfica, histórica, economia e antropologicamente, somos parte da América portuguesa, da América do Sul, afastados dos grandes centros de comércio, somos quase um continente, dotado de grandes recursos, e temos um grande ativo, nosso povo. Somos um mundo posto num espaço novo. O Brasil é detentor de um povo especial. Temos características que nos fazem capazes de construir a mundialização até o final, que é o grande sonho da existência racional — um mundo que seja uma só nação. Somos antropofágicos, sincréticos, mestiços. E somos tolerantes. É sobre essa tolerância que deve surgir nossa estratégia nacional. AÇÃO SOCIAL COMO VERTENTE DO PROJETO NACIONAL O Brasil teve um projeto nacional, na vertente interna, após 1929. Esse projeto durou 50 anos, com Getúlio Vargas, sem Vargas, e contra Vargas, no pós-64. Ele apoiava-se em por trás três pilares, a industrialização, a urbanização e a integração nacional. Pois o Brasil ainda é um espaço a ser conquistado. Por trás de tudo, estava a idéia de que o Estado deve intervir toda vez que for necessário avançar – construindo o que é relevante na indústria, se a iniciativa privada não o faz, na urbanização, se a iniciativa privada não o faz, na integração nacional, se a iniciativa privada não o faz. Agora, temos outra vertente – a ação social. Pois urbanizar não é encher cidades, é dar emprego, saúde, habitação, saneamento. Um projeto nacional deve observar as primeiras três, e ter a componente social maximizada. Nosso projeto deve estar voltado para vencer os desafios da crise, criando um mundo novo no mundo em que estamos. Há dois objetivos claros — temos de ser centro sem ser um império, com os EUA. Temos de ser solidários, fraternos, justos. Temos de ter de novo, em nós, o sonho de ser mais que um Estado, mas o Estado, a pátria de todos os homens, e completar o ideal da mundialização, posto na filosofia ocidental. Isso só será possível se colocarmos negócios e técnicas a serviço do homem, e tirarmos o homem do serviço da técnica, da escravidão do mercado e do consumo. Temos de ser livres, mas também de ser libertos.

GALERIA DE IMAGENS