As causas das mudanças climáticas foram o primeiro tema discutido na abertura da série Debates do Brasil - “Energia e Estado”, realizado na terça-feira (11). A iniciativa é da publicação Retrato do Brasil, coordenada, entre outros, pelo jornalista Raimundo Pereira e que estará proporcionando debates e discussões sobre temas polêmicos, durante um ano.
O governador Roberto Requião participou da abertura do evento, no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. “Nosso Estado tem auto-suficiência em energia, mas deve estar atento e participar dessas discussões. O mundo precisa tomar uma decisão sobre que tipo de desenvolvimento quer para a sobrevivência da humanidade e a permanência da vida na Terra”, disse Requião.
O primeiro debate da série, intitulado “Onde está a ciência e onde estão os interesses no debate do aquecimento global?”, expôs opiniões divergentes sobre o último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e sobre o futuro do clima na Terra.
AQUECIMENTO – Para a Professora do Departamento de Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre em Ciências Geodésicas e doutora em Meteorologia pela USP, Alice Grimm, os cálculos mostram que o clima será alterado, em termos de circulação atmosférica, precipitação e temperatura, caso aumentem as concentrações de gases do efeito estufa. “As alterações previstas são preocupantes. Aqui na América do Sul a maior parte dos modelos aponta redução de chuvas na Amazônia e, ao mesmo tempo, grande aumento na temperatura”, declarou.
Segundo Alice, alguns cálculos alertam para a elevação de temperatura em até sete graus e redução da chuva em mais de três milímetros. “Isso certamente vai causar impacto nos ecossistemas e é motivo para preocupação. Embora esses valores quantitativos contenham incertezas, os resultados dos modelos devem servir de alerta”, enfatizou a professora. Alice obteve destaque internacional devido às pesquisas por ela realizadas sobre os fenômenos El Niño e La Niña. Além disso, seus estudos sobre variabilidade e mudanças climáticas são considerados referências no setor.
A pesquisadora acredita que as variações climáticas das últimas décadas têm contribuições antropogênicas. “Não se pode dizer que todo o aquecimento observado nas últimas décadas seja de origem humana, mas uma parte eu acredito que seja”, reforçou. Conforme defendido por Alice, políticas de Estado podem contribuir muito mais que ações individuais, como investimentos em pesquisas e evitar ações que possam alterar o clima.
RESFRIAMENTO – Em contrapartida, o professor alagoano Luiz Carlos Molion acredita que a tendência da Terra para o próximo milênio é o resfriamento. O palestrante é graduado em física pela USP, doutorado em meteorologia pela Universidade de Wisconsin, pós-doutorado em Hidrologia de Florestas pelo Instituto de Hidrologia da Inglaterra, além de ter trabalhado 25 anos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), onde foi diretor.
“As concentrações de gases de efeito estufa dependem muito da temperatura dos oceanos que cobrem 71% do planeta. Os oceanos são os grandes reservatórios destes gases, contendo, por exemplo, cerca de 60 vezes mais dióxido de carbono (CO2) que a atmosfera. Quando os oceanos estão quentes, a absorção de gases diminui, quando eles se esfriam a absorção de gases aumenta. Assim, bastaria um pequeno resfriamento da temperatura dos oceanos para mudar completamente as projeções feitas pelo IPCC sobre aquecimento global”, opinou Molion.
O professor acredita que não há evidências de que o homem seja causador do aquecimento global e, sim, de um ciclo natural da Terra. “É muita pretensão do homem colocar algumas toneladas de CO2 na atmosfera e pensar que está mudando o clima. Não podemos acreditar em tudo que é publicado por organizações pertencentes à ONU, pois, muitas vezes, tais orientações têm o objetivo de fazer com que países de primeiro mundo continuem a manter sua hegemonia, em termos econômicos e tecnológicos”, alertou o professor.
Ele finalizou dizendo que não se pode tentar conservar o Planeta usando “verdades” científicas não comprovadas. Para Molion, é importante esclarecer a população sobre as limitações do conhecimento científico atual, que avalia muitas vezes uma base de dados pequena, permitindo uma incerteza quanto à capacidade de o homem interferir em fenômenos do clima, como o efeito estufa. “Na dúvida, é melhor conservar reduzindo atividades que possam interferir no sistema climático”, orientou.
CONVERGÊNCIA – Em, pelo menos, um assunto os especialistas tiveram a mesma opinião. Ambos não acreditam que o reflorestamento seja a solução para as variações climáticas. “Reflorestamento significa aumentar sumidouros de carbono. Certamente se queremos diminuir o volume de dióxido de carbono na atmosfera, reflorestamento é uma ação que contribui neste sentido”, disse Alice. Já Luiz Carlos Molion avaliou que conservação ambiental é uma necessidade, mas nada tem a ver com aquecimento global.
PROPOSTA – O jornalista Raimundo Pereira, que dirige o Projeto Retrato do Brasil, juntamente com Mino Carta, disse que trazer opiniões divergentes para o Debate Energia e Estado foi proposital. “Fizemos questão de colocar pontos de vista diferente. Achamos que a formação da opinião pública deve se dar, após uma avaliação de pontos de vistas diversos”, relatou.
Raimundo lembrou que o tema vem ao encontro da 13.a Conferência sobre Mudanças Climáticas, que a ONU promove, desde segunda-feira (3), em Bali, na Indonésia. “Esse encontro reúne representantes de 190 países que discutem a criação de um novo documento global para substituir o Protocolo de Kyoto.”
A jornalista Fabiana Midhori, que participou do debate elogiou o modelo adotado para informar a população sobre o assunto. “Nunca tinha ouvido argumentos semelhantes ao do professor Luiz Carlos Molion, que foram muito fortes. Ele trouxe novas idéias e questionamentos que me instigaram a ir atrás de mais informações. Mas, ainda assim, acredito que a ação do homem é responsável pelo aquecimento global e que no futuro veremos, sim, o aumento das temperaturas”, avaliou Fabiana.
O Debate Energia e Estado tem como base os três suplementos “Retrato do Brasil – CartaCapital”, sobre Biocombustíveis, Energias Tradicionais e Mudanças Climáticas. Com a série Debates do Brasil se pretende retomar a discussão dos grandes problemas brasileiros.