As saídas para deter os efeitos da crise no Brasil são políticas, mais que econômicas, disse nesta quarta-feira (10) o economista Marcio Pochman, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “O Brasil foi um dos primeiros países a sair da crise de 1929, porque reorientou seu projeto de nação. Washington Luis (último presidente da república velha) dizia que a crise do café seria superada com o plantio da laranja. O que seríamos, hoje, se tivéssemos seguido essa idéia?”, comparou, em sua participação no seminário internacional “Crise — Rumos e Verdades”, organizado pelo Governo do Paraná em Curitiba.
“Os impactos da crise podem ser a saída da oposição para enterrar o governo Lula, com o resgate de idéias do passado. É absolutamente fundamental que nos próximos dois anos tenhamos uma visão ampla sobre como enfrentar a crise”, alertou o economista. “Me entusiasmei por estar aqui (no seminário), pois acredito que é fundamental a construção de uma convergência política que dê condições ao Brasil de sair da crise em condições superiores às atuais”, falou Pochman.
Ele defendeu mudanças na estrutura tributária brasileira para contrabalançar os efeitos imediatos da crise. “O Brasil não pode seguir financiando suas políticas públicas assentado na regressividade dos tributos. Hoje, 56% da arrecadação brasileira vem do imposto sobre consumo. O imposto sobre propriedade são apenas 3% do total. A tributação sobre patrimônio é nula. O IPTU, que é responsabilidade dos prefeitos e vereadores, também é regressivo. A forma como ele é aplicado, hoje, faz com que o morador de uma favela pague mais IPTU que o morador de uma mansão”, afirmou.
O presidente do Ipea também defendeu intervenções coordenadas entre países para fazer frente à crise. “No mundo atual, empresas são maiores que países. As três maiores corporações do mundo têm faturamento equivalente ao PIB do Brasil. As 500 maiores corporações do mundo faturam o equivalente a 50% do PIB mundial. Como fazer a governança nessas circunstâncias, em que o setor privado tem um poder nunca antes visto? Ações supranacionais são absolutamente necessárias; não podemos contar apenas com decisões de internas. Dificilmente seremos uma ilha de prosperidade num mar de dificuldades”, alertou.
“Acho que uma ação do Estado será necessária, mas ela precisam ir além de medidas keynesianas de regulação, especialmente num mundo globalizado, em que já internacionalização do capital em larga escala. Assim, tais medidas, no plano nacional, não serão suficientes como foram em 29. Precisamos de ações para além do nacional, e nesse sentido Brasil poderia ser protagonista de políticas no âmbito da América Latina. Espera-se que o Brasil assuma esse papel, assim como outros presidentes tentam fazer noutras regiões do mundo”, disse Pochman.
O presidente do Ipea não acredita que o Pai entrará em recessão em 2009, mesmo com a crise, e disse que as estatísticas projetam um crescimento do Produto Interno Bruto de 2,8% no ano que vem. “Se não houver uma hecatombe, o Brasil cresce 2.8% em 2009, como resultado do crescimento de 2008, segundo as estatísticas”, falou. Ainda assim, trata-se de fato a lamentar. “Haverá efeitos sociais. Se crescermos abaixo de 4,5%, não geraremos empregos para todos que chegam ao mercado, tampouco teremos condições de ocupar os 8,5 milhões de trabalhadores que estão desempregados, segundo o IBGE”, explicou.
“Não teremos condições de dar seguimento ao interessante movimento que se verificava nos últimos dois anos — a redução da desigualdade no interior da renda do trabalho, em 2005/06, segundo IBGE, a renda do trabalho começou a crescer mais que renda dos proprietários. Era um movimento muito interessante, que havia muito tempo não era percebido no Brasil. Ao crescermos menos, essa trajetória está em xeque”, disse Pochman.
Leia os principais trechos da apresentação de Pochman no seminário internacional “Crise — Rumos e Verdades”.
SAÍDAS PARA A CRISE SÃO POLÍTICAS
“Não há dúvidas de que a crise, originária da principal economia do mundo, os Estados Unidos, que ainda detêm um quinto da economia mundial, e que avançou rapidamente para os países desenvolvidos, que detêm 50% do PIB mundial, terá impactos nada desprezíveis em países como o nosso.”
“O Brasil não vai sair da crise com medidas exclusivamente econômicas. As saídas são políticas. É esse elemento que está faltando agora no Brasil. Me entusiasmei por estar aqui (no seminário), pois acredito que é fundamental a construção de uma convergência política que dê condições ao Brasil de sair da crise em condições superiores às atuais. Isso é plenamente possível, a despeito das dificuldades que temos, considerando que em outros momentos — em 1873, 1929, 1973 — momentos o Brasil soube se posicionar muito bem.”
“O Brasil foi um dos primeiros países a sair da crise de 1929, porque reorientou então seu projeto de nação. Somos frutos das decisões tomadas àquela época. De lá, se construiu uma nova maioria, um horizonte para o país para pelo menos cinco décadas. Washington Luis (último presidente da república velha) dizia que a crise do café seria superada com o plantio da laranja. O que seríamos hoje se seguíssemos essa idéia?”
“Em 1973, quando o dólar deixa de ser conversível ao ouro e se abandonam as taxas de juros fixas, o Brasil também tomou decisões importantes. Se não foram as mais acertadas, ao menos o País foi pró-ativo, constituiu um plano nacional de desenvolvimento, para completar a estrutura industrial brasileira, para construir grandes projetos que ainda hoje nos auxiliam nas exportações, e para aliviar a política de arrocho salarial da época,com recuperação do salário-mínimo, e a primeira política de transferência de renda, a renda mensal vitalícia, de 1974, para pessoas em extrema pobreza. São exemplos estimulantes da história para construirmos uma nova maioria política no Brasil como passo fundamental para que enfrentemos a melhores condições essa crise.”
CRISE PODE SER SAÍDA DA OPOSIÇÃO PARA ENTERRAR O GOVERNO LULA
“O enfrentamento da crise não se dará exclusivamente pelas ações dos brasileiros. A crise atual é mais grave, sistêmica, não se interromperá apenas pelo lado financeiro. Os efeitos da crise, apenas no setor financeiro, já permitem dizer que o estrago é superior à 1929, em termos das bolsas. E ela contaminou o setor produtivo, e daí saem efeitos sociais, e finalmente políticos. Na crise de 1929, 16 países da América Latina passaram por mudanças de governo. Os impactos dessa crise, no Brasil, podem ser a saída da oposição para enterrar o governo Lula, com o resgate de idéias do passado. É absolutamente fundamental que nos próximos dois anos tenhamos uma visão ampla sobre como enfrentar a crise.”
“A crise é um colapso da saída pelo mercado, tentada sistematicamente ao longo das últimas três décadas, quando imaginava-se possível sustentar um enriquecimento fraudado pela financeirização. Não é sustentável, vemos um enorme descolamento entre o tamanho da riqueza real e os direitos à riqueza dados pelos ativos financeiros. A redução dessa diferença demandará um impacto de longa duração. Falamos de um PIB mundial de 65 trilhões de dólares e de ativos dez vezes maiores. Como compatibilizar isso? Apenas com um acerto via mercado, ou precisaremos de ação mais efetiva por parte do Estado?”
“Acho que uma ação do Estado será necessária, mas ela precisam ir além de medidas keynesianas de regulação, especialmente num mundo globalizado, em que já internacionalização do capital em larga escala. Assim, tais medidas, no plano nacional, não serão suficientes como foram em 29. Precisamos de ações para além do nacional, e nesse sentido Brasil poderia ser protagonista de políticas no âmbito da América Latina. Espera-se que o Brasil assuma esse papel, assim como outros presidentes tentam fazer noutras regiões do mundo.”
MUNDO PÓS-CRISE SERÁ MULTIPOLAR
“A crise não é só sistêmica, mas é também estrutural. O mundo que saíra dela será muito diferente do que temos hoje. Haverá um espaço inegável para a América Latina, pois ela e a África foram talvez os continentes que mais perderam nas últimas três décadas. Em 1980, a América Latina respondia por 9,5% do PIB mundial. Em 2006, responde só por 7,5%, do PIB mundial, voltou a ser o que era nos anos 1950. Ao contrário, os países asiáticos eram 14,5% do PIB mundial em 1980 e hoje já respondem por um terço do total. Há um espaço a ser ocupado.”
“Nosso poder é pequeno, mas não é desprezível, haja vista que as nações menos afetadas pela crise serão as mais populosas, com grandes territórios, como o Brasil, a Rússia, a China, a Índia. Aqui, há duas grandes questões a serem avaliadas. A primeira é o deslocamento do centro dinâmico do mundo para fora dos EUA. O mundo pós-crise deverá ter vários centros, não mais apenas um. A segunda é o profundo esvaziamento do sistema ONU. Não há uma reunião da ONU para tratar da crise dessa dimensão. Ela está escondida do âmbito das agências multilaterais. Onde estão o Banco Mundial, o FMI? O espaço ocupado minimamente vai para o G-20, que é reduzido dadas as proporções da crise que enfrentamos.”
“O sistema ONU precisa ser repensado, foi construído quando países eram maiores que empresas. No mundo atual, empresas são maiores que países. As três maiores corporações do mundo têm faturamento equivalente ao PIB do Brasil. As 500 maiores corporações do mundo faturam o equivalente a 50% do PIB mundial. Como fazer a governança nessas circunstâncias, em que o setor privado tem um poder nunca antes visto? Ações supranacionais são absolutamente necessárias; não podemos contar apenas com decisões de internas. Dificilmente seremos uma ilha de prosperidade num mar de dificuldades.”
UMA GLOBALIZAÇÃO DIFERENTE
“Devemos entrar numa fase de redução do movimento de globalização, que ganhou magnitude nas últimas três décadas. Isso passa uma reavaliação do modelo. Para nós, que somos críticos do modelo atual, abre-se a possibilidade da construção de uma nova globalização. Qual o projeto de globalização que queremos, ou somos contra ela e ponto final? Acredito que é possível construir uma globalização em outras bases.”
“A queda nos preços das commodities é um problema difícil para o Brasil, mas muito maior para outros países, principalmente latino-americanos, de economia assentada na produção de voltada ao mercado internacional. Qual a ação do Brasil em termos de solidariedade e de compromisso com a integração regional frente à queda profunda de atividade nos países vizinhos? O que será a crise na Bolívia, no Equador, mesmo na Argentina? Assistiremos calados, sem uma ação articulada? O comércio mundial foi uma válvula de expansão importante para vários países. Frente à redução do comércio, outros países terão, como o Brasil tem, a capacidade de compensá-la com o mercado interno?”
BRASIL NÃO VAI ENTRAR EM RECESSÃO, MAS VAI CRESCER MENOS
“Serão os países capazes de promover financiamento interno? O Brasil tem importantes decisões tomadas de 2007 para cá. O PAC é certamente um instrumento que pode fazer diferença, deve compensar parcialmente o consumo das famílias e até os investimentos do setor privado. Essa semana, conversei com secretários da Fazenda de vários estados e vejo que governos estaduais se prepararam para ações de grande porte nos próximos dois anos. No Ceará, a expectativa é investir 3 bilhões de reais. O Rio Grande do Sul, que estava em dificuldades, também deverá investir em 2009. Não temos só o PAC federal. Se somarmos decisões dos estados, podemos ter o PAC dos governadores. Não é suficiente, mas são ações que ajudam a compensar os efeitos do setor privado e das famílias.”
“Não acredito que o Brasil irá entrar em recessão, em 2009, a recessão que já está em curso em vários países avançados. Mas acredito em desaceleração na expansão. Em primeiro lugar, pela elevação dos juros decidida em 2008. Já se sabia que iríamos crescer menos, e agora, com a crise, menos ainda. Ainda assim, se não houver uma hecatombe, o Brasil cresce 2.8% em 2009, como resultado do crescimento de 2008, segundo as estatísticas.”
“A expansão menor terá efeitos sociais. Se crescermos abaixo de 4,5%, não geraremos empregos para todos que chegam ao mercado, tampouco teremos condições de ocupar os 8,5 milhões de trabalhadores que estão desempregados, segundo o IBGE. Não teremos condições de dar seguimento ao interessante movimento que se verificava nos últimos dois anos. Em primeiro lugar, a redução da desigualdade no interior da renda do trabalho. O Índice de Gini (que mede a desigualdade social; quanto maior for a concentração de renda, maior o Índice) caiu, e possivelmente esse ano teremos um Gini equivalente ao de 1960, de 0,5%. Ele mede a renda do trabalho, que hoje equivale a cerca de 42% do PIB. Em 2005/06, segundo IBGE, a renda do trabalho começou a crescer mais que renda dos proprietários. Era um movimento muito interessante, que havia muito tempo não era percebido no Brasil. Ao crescermos menos, essa trajetória está em xeque.”
GOVERNO AINDA PODE FAZER MAIS PRA ENFRENTAR A CRISE
“Acredito que as medidas tomadas pelo governo federal, até agora, vão na direção correta. Ainda assim, estão longe das que outros países estão tomando. O Ipea montou um grupo de trabalho sobre a crise, que acompanha o que é feito noutros países. Enquanto no Brasil as decisões tomadas para aumento de liquidez, redução da tributação, entre outras, equivalem a 3% do PIB. Se olharmos para países como China, Índia e Rússia, vemos que as medidas variam de 7% a 15%. Então, ainda que estejam na direção correta, são medidas pouco ousadas. Temos mais espaço para avançar. Na Inglaterra, por exemplo, compraram-se ativos de bancos, reduziram-se impostos indiretos, e aumentaram-se os diretos. A alíquota máxima do imposto de renda na Inglaterra chegou a 45% da renda. O enfrentamento da crise se faz também mudando o perfil distributivo. O que o Brasil poderia fazer? Hoje, a divisão do trabalho, estabelecida a partir da grande corporação transnacional, é muito provável que haverá um deslocamento de empresas. É difícil imaginar que empresas automobilísticas, por exemplo, irão ficar esparsas como estão hoje. A globalização deve ser desinflada, e o Brasil tem a oportunidade de ocupar melhor a cena internacional, assim como China, como a Índia, que adotaram medidas muito agressivas, de atração de investimentos diretos e de terceirização. O Brasil poderia ter política agressiva de apoio à relocação de empresas que estão hoje em países avançados que vivem quadros de recessão.”
É PRECISO REVER A COMPOSIÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA
“Há espaço, não só do governo federal, de rever a composição da arrecadação tributária no Brasil, para aliviar o peso da crise sobre os mais pobres. Uma série de medidas que reduziriam o peso dos impostos para os mais pobres. O IPTU, municipal, que é responsabilidade dos prefeitos e vereadores, poderia ser alterado, porque é regressivo. A forma como ele é aplicado, hoje, faz com que o morador de uma favela pague mais IPTU que o morador de uma mansão, segundo os dados a que temos acesso. São muito poucas as cidades que adotam o IPTU progressivo. Outro exemplo é o imposto de renda. Não há o que nos impeça de rever o imposto de renda, que começa com uma alíquota muito alta e termina com alíquota muito baixa. Por que não reduzir o peso dos impostos indiretos? Por que não constituir um fundo de compensação frente a impostos tão importantes como os impostos indiretos? Uma carga tributária menor para os mais pobres é instrumento de alívio da crise.”
“São necessárias medidas de reforma na estrutura da propriedade, na mudança da estrutura dos tributos. O Brasil não pode continuar seguir financiando suas políticas públicas assentado na regressividade dos tributos. Hoje, 56% da arrecadação brasileira vem do imposto sobre consumo. O imposto sobre propriedade são apenas 3% do total. A tributação sobre patrimônio é nula.”
“Há espaço para readequação das despesas públicas, pois a crise exige um papel mais ativo do Estado. Ele pode se dar pela mudança da composição do gasto brasileiro. O Brasil faz gastos desnecessários, improdutivos, que estimulam a desigualdade. Não há razão para o Brasil comprometer 7% de seu PIB com o pagamento do serviço da dívida. Gastamos sete vezes mais com o pagamento de juros que com educação, gastamos três vezes mais com juros que com saúde. Uma redução desses gastos seria não apenas uma medida importante para reduzir o peso da dívida interna sobre o PIB, mas também viabilizaria a ampliação dos investimentos e de gastos sociais. A recomposição dos gastos e do superávit primário daria capacidade ao Brasil de criar um programa que vai além do PAC, um programa de garantia de emprego, de defesa da produção nacional. São possibilidade técnicas, que demandam pressão política, demandam a construção de uma nova maioria. A medidas tomadas pelo presidente Lula, até agora, atendem aos de cima, porque eles se organizaram e pressionam. É hora dos de baixo mostrarem força. Um evento como esse seminário sinaliza a reorganização do Brasil em novas bases.”
Pochmann: “saídas para a crise, mais que econômicas, devem ser políticas”
O economista Marcio Pochman, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), participou nesta quarta-feira do seminário internacional “Crise — Rumos e Verdades”
Publicação
10/12/2008 - 19:03
10/12/2008 - 19:03
Editoria