Percentual fixo nos orçamentos pode resolver problema da moradia na América Latina

Proposta foi apresentada na mesa especial Habitação e Direito de Morar, do Fórum Social do Mercosul
Publicação
28/04/2008 - 14:51
A destinação de um percentual anual fixo do orçamento à moradia - como acontece hoje para a saúde e a educação no Brasil - foi uma das propostas apresentadas na mesa especial “Habitação e Direito de Morar”, domingo (27), no Fórum Social do Mercosul para resolver o problema da habitação no continente. A mesa foi coordenada pelo deputado estadual Luiz Cláudio Romanelli (PMDB), que é especialista em gestão técnica do meio urbano. “Sem a vinculação do dinheiro ao orçamento das três esferas de governo para a habitação, a questão da moradia não terá solução”, disse Romanelli. “Com a legislação atual não conseguiremos resolver o grave problema da falta de moradias, principalmente para os segmentos mais carentes da população”, argumentou Romanelli. “Como a burocratização dos diversos órgãos governamentais é grande, a solução dos problemas é muito demorada. Temos de reduzir muito a burocracia para dar efetividade à política habitacional”, acrescentou. Somente no Brasil, o déficit é apontado em 7,5 milhões de famílias, ou seja, 28 milhões de pessoas não tem acesso a moradia digna. A conta é feita assim: quando o assunto é habitação, há três grandes categorias de excluídos no Brasil. A primeira é formada por milhões de famílias que sonham com a casa própria, mas não têm renda ou acesso a financiamento para comprá-la. Pagam aluguel ou vivem de favor na casa de parentes. O segundo grupo são os moradores das favelas. Muitos até têm casa, de tijolo e cimento, mas vivem precariamente, sem água encanada, luz e rede de esgoto. A terceira categoria, em situação mais dramática, é constituída por cerca de 1,3 milhão de famílias que vivem amontoadas em lugares indecentes, como barracos de lona ou madeira, carroças e grutas. Somando todos, de acordo com as contas do governo, são pelo menos 28 milhões de pessoas - mais que uma Venezuela inteira -, ansiosas por um lugar melhor para viver. “Vejo nisso uma bomba-relógio”, afirma o engenheiro peruano José Gavidia, chefe do programa de moradia e assentamentos da ONU na América Latina, a UN-Habitat. “Falta sensibilidade à sociedade para perceber os sérios problemas que estão pela frente.” O gerente de Desenvolvimento Urbano da Caixa Econômica Federal em Curitiba, Célio Américo Alves Izidoro, destacou o papel relevante que a instituição desempenha na questão da moradia no país. “É o organismo que está fazendo alguma coisa na área, no Paraná e no Brasil”, ressaltou. Citando a Constituição, Izidoro disse que o direito à habitação é um direito social. Segundo Izidoro, “o cidadão não tem direito só à casa, mas também à segurança e habitabilidade, acesso ao transporte e aos serviços públicos sociais, como educação, saúde, lazer e esporte, e deve ter satisfação em relação a esses serviços. Deve ter condições de trabalho, que lhe proporcione uma renda sempre melhor”. O gerente da Caixa Econômica em Curitiba apresentou diversas alternativas a que os componentes dos movimentos sociais podem recorrer para adquirir a casa própria, com recursos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), FDS (Programa Crédito Solidário) e FNHIS (Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social). PRESSÃO - A representante da Coordenação da União Nacional dos Movimentos de Moradia (UNMM), Evaniza Lopes Rodrigues, observou que “os movimentos sociais pressionam para que as coisas aconteçam na área da habitação, mas ainda estamos longe de acabar com o déficit de habitação. Enquanto houver uma família sem teto, não podemos descansar”. Segundo a representante da UNMM, o número de prefeituras que ainda não têm módulo habitacional é impressionante. “Em abril houve muita mobilização dos movimentos sociais para que a moradia entre na agenda da política nacional”. Evaniza disse que “um passo importante para acelerar a construção de moradias populares é estabelecer claramente os conselhos de controle social e a eleição dos representantes”. OPRESSÃO - Para o diretor-presidente do Instituto de Terras Cartografia e Geociências do Paraná, José Antônio Peres Gediel, é preciso mudar a lei para fins de moradia digna. “Tal como ela é hoje o morador não vai conseguir pagar, pois o preço é altíssimo”. Gediel afirmou que “o valor de mercado nas grandes cidades inviabiliza para os gestores públicos e os movimentos sociais o ressarcimento da terra pela desapropriação”. Peres Gediel é contrário aos despejos violentos de ocupações. “Além de perder o lugar, o morador perde tudo o que tem. Deve haver uma atuação forte do prefeito quando a polícia quer fazer o despejo de forma violenta”, observou. Gediel recomendou que o movimento social não deve aceitar a negociação por um preço caro. “Temos de nos libertar dos instrumentos de opressão a favor do dinheiro. São herança da ditadura. O capital também tem que perder, pois já ganhou muito”, enfatizou. O prefeito municipal de Piraquara, Gabriel Samaha (Gabão), apresentou uma experiência importante por não chamar a policia para resolver os problemas fundiários. De seu município faz parte o bairro Guarituba, que é a maior área de ocupação irregular no Paraná, onde moram 50 mil pessoas. Noventa por cento de Guarituba é constituída por reserva ambiental. “As pessoas que foram morar lá eram excluídas”, disse Gabão. Hoje em Piraquara está sendo implantado o Projeto Guarituba, programa de urbanização que será referência brasileira para novos projetos habitacionais em áreas de ocupação irregular. “O projeto foi iniciado em 2005, com verbas do governo estadual e do Ministério das Cidades, e em 2007 recebeu dinheiro do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), do governo federal”, destacou o prefeito de Piraquara. Os principais objetivos do programa são garantir a função social, promover o reconhecimento dos direitos sociais e comunitários e de caráter fundiário, equacionar o problema ambiental e fazer a regularização fundiária de cerca de 2 mil lotes no bairro Guarituba. Em 2008 foi criado o núcleo de regularização fundiária e habitação de interesse social. POLÍTICA NOVA - “Estamos construindo uma política nova”, explicou Gabão. “Criamos instrumentos que antes não tínhamos, fruto da luta histórica do movimento social. É uma experiência bem diferente, na qual todas as ações se caracterizam para tornar realidade uma nova forma de lidar com as ocupações irregulares”, observou Gabriel Samaha. A representante da Confederação das Mulheres do Brasil (CMB), Alzimara Bacelar, falou sobre uma experiência de construção de nove mil casas em sistema de mutirão. “Foi uma experiência muito especial. No Brasil, só conseguiremos resolver o problema do enorme déficit habitacional com a ajuda do poder municipal, estadual e federal. Por isso tem que haver uma política perene”, recomendou.