O dia seis de novembro do ano que passou ficará como a data de uma grande e irreparável perda: da nossa irmã Gisele. Mas não se trata apenas de uma perda familiar, a morte de Gisele D’Angelis Bogoni representa uma perda irreparável para o Paraná e Curitiba.
Educadora, filha de educadora, Gisele estava comprometida e unida, há 30 anos, por vida e trabalho, com a comunidade do Bairro Alto. Ou seja, a maior parte de sua vida é inseparável dos caminhos dessa parcela do povo de Curitiba. Gisele conviveu com as irmãs do Sacre Coeur que moram lá e dirigiam a pequena escola do bairro, nos idos da década de 1970, então sob a liderança carismática de Irmã Pillar Repulles Benito.
Trabalhou como pedagoga da Escola Cônego Camargo por mais de 20 anos, foi sua diretora e uma das mentoras de diversas gerações naquele bairro. Trabalhou nas Secretarias Municipal e Estadual da Educação, CEI 3000 e Algacyr Munhoz Maeder. Nos últimos anos era diretora da escola no Bairro Alto que passou a se denominar Pilar Maturana, a centenária “Vovozinha” que lá viveu e deu sua vida pela educação.
Sua dedicação, seu esforço, seu trabalho incansável era por garantir, à população, educação de qualidade. Seu sonho era fazer da educação uma oportunidade e um caminho para tantos jovens que, sem isso, são fortes candidatos à marginalidade. Seu senso de responsabilidade social era quase exacerbado, por isso não se admitia descanso, não se dava tréguas, não se contentava com fazer o máximo; tentava o impossível. Sonhava grandes sonhos, queria um mundo justo e um povo solidário, e por isso era justa e solidária.
Foi sua liderança que levou à conquista, para o Bairro Alto, das novas instalações do Colégio Pilar Maturana – hoje o segundo maior colégio público do Paraná, sendo menor apenas que o Colégio Estadual do Paraná. Um colégio à altura do sonho de educação de qualidade que Gisele sempre sonhou, praticou e defendeu.
Ao lado dela, colegas professores, funcionários da escola, alunos e pais de alunos sonharam juntos, lutaram juntos e comemoraram juntos a conquista em direção ao sonho maior: a consolidação de um projeto pedagógico. Jamais fez distinção entre os que trabalhavam e lutavam ao seu lado: uma zeladora da escola, uma colega pedagoga ou uma mãe ou pai de aluno, todos eram, para ela, igualmente companheiras e companheiros de lutas e de sonhos.
Era “paulo-freireana” com todo seu espírito: e procurava seguir seus passos, porque comungava suas concepções de educação, de humanidade e de sociedade.
É impossível quantificar suas realizações: quantos corações terá tocado? Quantos alunos e alunas terá inspirado, inclusive para segui-la na vocação de educadora? A quantos jovens seu esforço terá premiado com nova oportunidade? Quantos colegas professores terá motivado? A quantos terá ensinado a serem críticos e combativos? Para quantos colegas, professores e funcionários, terá sido exemplo de humildade, de dedicação ao serviço público e de solidariedade?
Gisele D’Angelis Bogoni não foi uma teórica da educação, que nos tenha legado livros e tratados sobre o assunto. Gisele foi uma autêntica pedagoga, praticante de uma pedagogia inspirada em Paulo Freire, construtora de autonomia e libertadora. E ao mesmo tempo, uma mulher de força e iniciativa, corajosa, incapaz de conformar-se com um “não é possível”.
Tivemos a felicidade e a alegria de conviver com ela no último meio século, e temos orgulho de nos apresentar como seus irmãos. Curitiba e o Paraná, igualmente, só têm motivos para orgulhar-se de vida tão exemplar, e render-lhe justas homenagens.
Wagner R. D’Angelis é advogado, Doutor em Direito Internacional e Professor universitário..
Waldir R. D’Angelis é Professor, escritor e Assessor Técnico da Secretaria Estadual de Saúde.
Wilmar R. D’Angelis é lingüista e indigenista, professor do Departamento de Lingüística da UNICAMP.
Wirmond R. D’Angelis é médico psiquiatra e homeopata.