Tudo indica que nas próximas décadas a água potável assumirá o posto de principal produto estratégico em nosso planeta, interferindo nas relações entre os povos, na política, na diplomacia e até no comércio mundiais. Aquilo que poderia parecer até há poucos anos uma mera fantasia, uma hipótese quimérica, está rapidamente se transformando num drama, com ares de pesadelo.
A realidade pode ser resumida numa equação simples: a água doce é um bem finito, não renovável - o mundo consome muito mais do que pode ser produzido. A população cresce sem cessar, assim como a produção (é necessário lembrar que todos os produtos, desde os agropecuários até os siderúrgicos, consomem água em seu processo de fabricação).
O caráter estratégico das reservas de água doce vai rapidamente saltando aos olhos. Não tem outro sentido a discussão em curso no Congresso Nacional sobre o Aqüífero Guarani, a maior reserva de água doce do mundo, que ocupa boa parte do subsolo do centro-sul do Brasil, além de outros países como Paraguai, Bolívia e Argentina.
Preservar a água não significa apenas consumir menos, mesmo porque a curto prazo esta é uma tarefa impossível. No entanto, o reconhecimento de a água pode acabar obriga-nos a tomar providências imediatas para evitar uma catástrofe.
É nesse sentido que deve ser entendida a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) encaminhada pelo governador Roberto Requião e aprovada em primeira votação, por esmagadora maioria, pela Assembléia Legislativa. Partindo do princípio que “o acesso à água potável e ao saneamento constitui um direito humano fundamental”, a PEC da Água determina que os serviços públicos de abastecimento de água e de saneamento só poderão ser prestados por empresas públicas ou de controle acionário e administrativo do poder público.
Este é o primeiro e necessário passo: entender que a preservação deste bem público essencial só pode ser garantida pelo Estado. Esta tem sido a postura do governo Requião desde o início, como prova a verdadeira batalha travada para manter a nossa Sanepar como empresa pública.
Porém, não podemos esquecer que o mesmo processo que quase levou à privatização da Sanepar atingiu diversos municípios, mais exatamente 55 dos 399 municípios paranaenses, que têm seus serviços de água e saneamento prestados por empresas privadas. Quanto a isso, a PEC deixa claro que, caso haja mudança nesse estatuto nos 55 municípios em questão, não haverá “indenização por lucros cessantes, reembolsando-se unicamente os investimentos não amortizados”.
Mas a idéia, além da PEC da Água é mais ampla. Uma vez garantido o controle do Estado, uma série de medidas devem dar seguimento ao esforço de preservação da água. A primeira delas é a universalização dos serviços de saneamento. Sabemos que a cada R$ 100 milhões investidos em saneamento, são economizados R$ 300 milhões no tratamento das doenças provocadas pela falta desse saneamento. Este é um dado computável. Mas, o que dizer da poluição das águas causadas pelo despejo dos esgotos não tratados?
Uma outra medida é a racionalização universal do consumo de água, e aqui é preciso enfatizar novamente que só o Estado pode ter uma política abrangente nesse sentido. A Assembléia Legislativa já aprovou um projeto de lei dispondo sobre a economia na utilização de água em todos os prédios públicos do Estado. Mas é necessário avançar e criar um programa que inclua os diversos setores produtivos, o comércio, as residências e prédios de apartamentos, e assim por diante.
Da mesma forma, a Assembléia também discutiu e aprovou um projeto que prevê a reutilização da água nos mesmos prédios públicos. Essa água reutilizada pode ter diversos fins, como lavagem de calçadas, uso em descargas sanitárias etc. Devemos também pensar em medidas como a armazenagem e utilização da água da chuva.
Um outro conjunto de medidas se relaciona com a preservação global do meio ambiente. O reflorestamento, a preservação das matas ciliares, a utilização de técnicas e insumos menos agressivos na agropecuária, a defesa dos mananciais, entre outras, são medidas que devem ser adotadas o quanto antes.
A PEC da Água, a par de atribuir ao Estado o papel insubstituível de prestação dos serviços de água e saneamento, avança ainda outra diretriz de fundamental importância: “a gestão descentralizada e participativa dos recursos hídricos, assegurando-se a participação dos usuários e da sociedade civil nos respectivos processos decisórios”. A água, como bem público, precisa ter uma gestão pública, transparente, democrática, coletiva.
Por fim, é necessário repensar como se dá essa questão em termos de relações internacionais. Quanto mais água é consumida na produção (e essa água custa dinheiro), menos o Brasil recebe em cada produto exportado, porque a água embutida na produção não é cobrada. Estamos exportando água potável de graça. Isso não é justo.
A PEC da Água é um marco. Ela e as iniciativas decorrentes serão um legado que deixaremos às gerações futuras.
Luiz Cláudio Romanelli, deputado estadual, líder do Governo na Assembléia Legislativa e vice-presidente do PMDB do Paraná.