“Obsolescências” na Casa Andrade Muricy

Mostra apresenta 30 trabalhos de 15 dos 45 artistas premiados pelo programa Rumos Itaú Cultural
Publicação
22/06/2009 - 14:29
Editoria
A Casa Andrade Muricy, em Curitiba, recebe exposição composta por 30 obras de 15 artistas exibidas originalmente no Itaú Cultural, em São Paulo, na mostra Rumos Artes Visuais – Trilhas do Desejo. Com curadoria de Marília Panitz, e assistência de Bitu Cassundé e Marcio Harum, a mostra “Obsolescências” apresenta 30 trabalhos de 15 dos 45 artistas premiados pelo programa Rumos Itaú Cultural, cujo objetivo é identificar o melhor da produção contemporânea em todo o Brasil. A exposição, com entrada franca, abre para o público de 1º de julho a 9 de agosto e discute a resistência dos artistas ao obsoleto. “O que estabelece um intenso diálogo entre as propostas artísticas presentes neste recorte curatorial parece ser uma resistência a tornar-se obsoleto por via do aparecimento do novo, este grande mito da modernidade”, observa Marília. “É no recurso à sombra da obsolescência, com a qual jogam um jogo de sedução, que os artistas ancoram sua poética”, completa. Vem daí o nome da mostra, “Obsolescência”, que, segundo conta a curadora. Os trabalhos que compõem esta mostra são de Amália Giacomini, Ana Holk, Rafael Alonso, Jacqueline Vojta, Daniel Hertel, Julia Amaral, Marina de Botas, Diego Belda, Fabrício Lopez, Felipe Cohen, Laerte Ramos, Letícia Ramos, Luciano Zanette, Nino Cais e Sofia Borges. Letícia Ramos apresenta Cronópios, uma videoinstalação em looping. O filme foi montado a partir de imagens capturadas com câmeras lomográficas – máquinas russas simples, que operam com filme, produzindo imagens muito particulares, com certas distorções – no Largo de Pinheiros, em São Paulo. Sobrepostas, elas propõem outros ângulos e registros diferentes da realidade. Uma versão gigante, em três dimensões, da Batalha Naval, é a obra de Laerte Ramos, que leva o mesmo nome do jogo. Os navios, confeccionados em argila moldada e recoberta com esmalte, enganam os olhos de quem vê. Destróieres, cruzadores, submarinos tornam-se esculturas e permitem ao público travar uma competição. Isoladas, elas se sustentam como obras. No conjunto de microesculturas Aranha, Lacraia, Besouro e Pássaro, Júlia Amaral investiga noções de perda, morte, peso, leveza e, metaforicamente, a idéia de transcendência. Na escultura Desenhos funcionais #2, de Daniel Herthel, o arame risca o espaço e produz um estranho croqui do interior de um ônibus. Em Casa de Máquinas, vídeo do mesmo artista, um aparelho projetado por ele faz uma bailarina dançar; e Casa de Máquinas – Making of mostra a construção desta máquina. Felipe Cohen trabalha sombra, luz, peso e leveza na Série Meio-dia e em Regaço. São pequenos monumentos construídos de forma delicada com granito e papelão que, segundo a curadora, ao opor a fragilidade do papel à consistência da pedra nega resultam na retomada pelo avesso do princípio histórico da escultura e da relação virtual de produção de volumes. A operação de desequilíbrio do olhar aparece, ainda, na arquitetura de Nino Cais, em sua obra Sem Título feita de cabos de madeira e baldes de dimensões variáveis. Este trabalho é um desafio à gravidade ao dar a sensação de que os objetos são empurrados ao contrário. Do nada, finas colunas fixam capitéis coloridos no teto, equilibradas na tensão entre o teto e o chão, exercida pela pressão da borracha de desentupidores. A mesma fragilidade surge, também, no movimento recorrente das paredes virtuais da instalação de Ana Holk: Contra-Muro, uma vídeoinstalação de dimensões variáveis. São três filmes projetados no espaço que encerra uma sala, de modo a que cada filme ocupe toda uma parede. Cada projeção apresenta a construção de um mesmo muro de tijolos de concreto em diferentes etapas do processo. À medida que este espaço murado vai sendo erguido de um lado, vai sendo destruído do outro. “O sujeito é a própria estrutura de tijolos que nos prende e se desfaz para nos deixar novamente no nada, somente para nos emparedar outra vez”, observa a curadora. Marina de Botas apresenta três obras que se complementam: Manual Técnico para a Alteração do Pensamento Lógico, Revista Pretinho Básico e a performance Pretinho Básico, na qual a artista usa um vestido preto de veludo que se prolonga ocupando todo o espaço da sala. Para ver as outras duas obras expostas, o público é obrigado a passar por cima dele, como se fosse um tapete. Uma câmera fixa documenta o processo, e o vídeo ficará exposto durante toda a mostra. Já a Revista “Pretinho Básico" é composta de um par de desenhos que o público poderá levar para casa, no qual a figura de uma mulher pode ser vestida com a mesma roupa. O Manual..., por sua vez, traz um passo a passo descrito por delicados desenhos, subvertendo os dos manuais originais, sobre como transformar procedimentos cotidianos em resultados mágicos; como mito de Ícaro. Amália Giacomini provoca o espectador com Entre. As pontas desta série de setas voltam-se para a entrada do espaço gerando um campo virtual em direção contrária à do visitante. A proposta da autora é criar um curtocircuito para o público entre a atração espacial e a repulsão simbólica do espaço da arte. Nesta obra, a ação embutida se torna ícone poderoso: recebe e conduz; às vezes, dependendo da exposição, em sentido contrário. Em Sinuca de Bico e Sinuca: Bola Seis atrás da Cinco, de Diego Belda, escultura e pintura se mesclam nas duas obras deste artista. Elas trazem uma presença cromática de uma paleta afirmativa tanto na intensidade dos pigmentos saturados quanto nas formas que ocupam, e nas suas oposições. Evocam, com certa distância, um universo pop sem o recurso do comércio – com as figuras familiares do mundo do consumo e da informação. Luciano Zanette também brinca com as referências do observador com Vale Ter Ser Tesa e Hábitos Insuficientes, ambas da série Mobiliário Melancólico. São duas mesas às quais nada falta, mas que não podem nunca cumprir a função à qual estão destinadas. Uma parece escorregar, a outra se contorce perdendo a estabilidade. A bem-humorada e distorcida mobília disfuncional do artista dá alma aos objetos, oferecendo no lugar da função a possibilidade estética de surpreender o visitante. As pinturas de Jacqueline Vojta – Noite Sutil, Número 1 de Novo, e Até que o Céu Caia Sobre Mim, são colagens de tecidos pintados pela artista carioca na tela, dando um efeito de pintura noturna. Encharcadas de tinta, com relevos e matizes sutis, estas obras pedem tempo e atenção para serem descobertas. Em Linhas em uma Mesma Direção Justapostas, de Rafael Alonso, a matéria prima é o elástico, que resulta em um trabalho pictórico. Trata-se de uma “obra-armadilha”, segundo a curadoria. Várias chapas de madeira, totalmente envolvidas pelos elásticos formam um conjunto de quadrados em um quadro maior. A xilogravura sobre papel Rema, rema, remador, de Fabrício Lopes, atua como subversão do princípio da técnica. Esta obra é feita de várias matrizes, cujas cópias são compostas sobre a parede interna do instituto em suas partes, à maneira dos out doors. Coladas diretamente sobre ela, vão revelando a imagem, algumas vezes sobreposta a outras. Da colagem das gravuras, surge a obra, ao mesmo tempo única e múltipla. As quatro fotografias sem título de Sofia Borges fazem operação semelhante ao desestabilizar o estatuto da imagem fotográfica. “Sua foto é pintura barroca e é tableau vivant”, observa a curadora. As imagens que ela capta lembram pinturas do século XVI ou XVII, e as naturezas mortas, contudo, são atuais ressaltando a sua contemporaneidade e confundindo as referências do observador. “Obsolescências” é um recorte da exposição original Rumos Artes Visuais – Trilhas do Desejo, que foi apresentada na íntegra em março na sede do instituto em São Paulo, com a organização do curador carioca Paulo Sérgio Duarte. Entre pinturas, fotografias, esculturas, instalações, vídeos, performances, e videoinstalações a exposição original é composta de 72 obras, realizadas pelos 45 contemplados nesta quarta edição do Rumos, que representam 11 estados e abrangem todas as regiões do Brasil. O Rumos deste ano reuniu a experiência acumulada nas edições anteriores, contando com uma comissão curatorial maior, sob a coordenação de Paulo Sergio Duarte. Quatro outros curadores foram responsáveis por regiões diferentes daquelas onde estão acostumados a atuar e contaram com o apoio de oito assistentes curatoriais das diferentes regiões, que ajudaram na pesquisa e na pré-seleção dos projetos. Alexandre Sequeira (PA) cuidou das regiões Sul e algumas cidades do Sudeste; Christine Mello (SP) foi para as regiões Norte e Nordeste; Marília Panitz (DF), foi responsável por parte do Nordeste e algumas cidades do Sudeste; e Paulo Reis (PR) seguiu para a região Centro-Oeste e parte do Sudeste. Entre março e maio de 2008, a equipe curatorial fez palestras e debates, com mediação do crítico e pesquisador Guy Amado em 19 cidades. O grupo discutiu com o público temas relacionados à arte contemporânea, como indústria cultural, consumo, globalização, mercado e produção, formação do artista, espaços de exibição, história da arte, e, sobretudo, realizou a difusão do programa Rumos para os artistas locais. O número de projetos inscritos nesta edição – 1617 – bateu recorde em relação às anteriores. A primeira (1999/2000) recebeu 1.576 portfólios. Na edição seguinte (2001/2003), o programa recebeu 1.495 inscrições; e 1342 na terceira edição (2005/2006). Os 45 selecionados neste ano, 25 respondem pela região sudeste (16 de São Paulo, seis do Rio de Janeiro e três de Minas Gerais); oito são do sul (quatro do Rio Grande do Sul, dois de Santa Catarina e dois do Paraná). Da região norte foram selecionados cinco trabalhos, todos do Pará. Do nordeste foram mais cinco: três de Pernambuco e dois do Ceará. Mais dois trabalhos (um do Distrito Federal, outro de Goiás) vieram do Centro-Oeste Obsolescências – Exposição coletiva com artistas selecionados pelo projeto Rumos 2008/2009 – Curadoria: Marília Panitz. Abertura: dia 30 de junho, às 19 horas, na Casa Andrade Muricy (Alameda Dr. Muricy, 915 – Centro Tel. 41 –3321-4786). Horário de visitação: De terça a sexta das 10 às 19h. Sábados e domingos das 10h às 16h. Entrada gratuita. A mostra permanecerá aberta até 9 de agosto. Agendamento para visitas orientadas: 41 3321-4816 Encontro com a curadora: 1 de julho, às 17h