Obras de Iberê Camargo são expostas no Museu Oscar Niemeyer

Em sua vasta produção, ele ficou especialmente conhecido pelos signos que construiu com suas séries de carretéis, ciclistas e idiotas
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22/09/2008 - 18:39
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O Museu Oscar Niemeyer traz para população paranaense 62 obras, entre pinturas, gravuras e desenhos, do artista gaúcho Iberê Camargo (1914 – 1994), na exposição “Iberê Camargo – Moderno no Limite”. A mostra, que permanecerá até 14 de dezembro, apresenta um panorama da vasta e multifacetada produção do artista, do início da década de 1940 a meados dos anos 1990. A maior parte das telas pertence à Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre (RS), que reúne mais de quatro mil obras do acervo deixado à esposa Maria Coussirat Camargo. Alguns trabalhos foram emprestados por colecionadores e instituições públicas de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo.A exposição tem o patrocínio da Companhia Paranaense de Energia (COPEL) e o apoio do Ministério da Cultura, do Governo do Paraná, da Caixa e da ClearChannel. Um dos curadores da mostra Paulo Sergio Duarte – ao lado de Mônica Zielinsky e Sônia Salzstein - procurou traçar o panorama da obra de Iberê desde a juventude, quando o artista dedicava-se a retratar paisagens em pinturas, desenhos e gravuras. “Esse momento coincide com um período em que a arte no Rio Grande do Sul ainda estava muito ligada a modelos europeus, especialmente ao impressionismo e às questões acadêmicas. Entretanto, Iberê apresenta desde o princípio uma obra agitada, que traz a nervosidade da pintura. Os desenhos magníficos, talvez, merecessem uma exposição à parte”, afirma Mônica Zielinsky. No conjunto da produção do artista, as obras selecionadas pelos três curadores representam “momentos cruciais que atestam o vigor e a contundência com que o pintor” respondeu às grandes transformações culturais do século 20, como a Segunda Grande Guerra e a hegemônica cultura de massa. Destacam ainda o tom “ora grave ora exasperado” dos trabalhos, que “ecoam o sentimento de desenraizamento e incomunicabilidade do artista moderno”. Iberê nunca se filiou às correntes ou movimentos, mostrando-se atraído por personalidades independentes como Guignard e Goeldi. Na Europa, passou grande parte de sua vida ao lado de mestres como Giorgio de Chirico, Alberto Petrucci, Antônio Achille e André Lothe. “Só a imaginação pode ir mais longe no mundo do conhecimento. Os poetas e os artistas intuem a verdade. Não pinto o que vejo, mas o que sinto”, disse Iberê. Em sua vasta produção, ele ficou especialmente conhecido pelos signos que construiu com suas séries de carretéis, ciclistas e idiotas. “Os carretéis e o punhado de figuras que, ao longo da carreira de Iberê, parecem morfologicamente derivar deles constituem um tópos na pintura do artista. Talvez, o exame daquilo que se explicitou pela primeira vez de maneira plena em Carretéis com Laranjas e em diversas gravuras de 1958, nas quais se estampava o mesmo motivo, permita aprofundar o conhecimento da totalidade da obra”, analisa a professora da USP, Sônia Salzstein. O fio da obra no carretel Objeto inanimado que evoca a memória arcaica da industrialização, o carretel foi o brinquedo de infância de Iberê Camargo. Era o objeto encontrado na caixa de costura da mãe e que ganhava personalidade através da imaginação. Em 1958, foram resgatados da memória de infância quando o artista obrigou-se a permanecer deitado, paralisado, devido a uma hérnia de disco. Sem poder sair para pintar as paisagens de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, fechado em casa sem os atrativos externos, Iberê reencontrou o carretel em lembranças e estudos de desenho e gravura. A partir daí, o objeto passou a ser seu símbolo, signo e personagem principal de sua trajetória. “Iberê obstinadamente buscou arrancar aquele objeto da condição de coisa. De certo modo, a figura do carretel está presente na obra inteira do artista e estão representados de diversas maneiras e abordagens. Muitas vezes, quase não são reconhecíveis, mas estão sempre presentes”, salienta Mônica. Os curadores analisam que, na primeira metade dos anos 1960, os líricos carretéis de 1957 a 1958, se tornavam uma “reminiscência vaga de formas orgânicas, corpos massivos e opacos que a custo vinham à tona, pois pinturas de matéria densa e de tons sombrios, que beiravam a abstração, pareciam na iminência de tragá-los”. Bicicletas e Idiotas Entre 1965 e 1966, Iberê pintou telas gestuais. De acordo com os curadores, dos carretéis não restou senão “um cinetismo sem repouso e incapaz de reter qualquer forma reconhecível”. Na década seguinte, os carretéis ressurgiram como explosões de dados, prismas, ampulhetas, miríades de falos, olhos e ânus; formas que, “se sinalizavam o ânimo de um pintor empenhado em solapar a integridade de todos os objetos à sua frente, nem por isso deixavam de expressar a extraordinária força erótica de sua pintura”, escrevem. A partir do início da década de 1980, o artista colocou a figura humana no centro de suas preocupações, restando apenas uma memória remota e estilhaçada do carretel. Em texto, os curadores analisam que, embora não estivesse o carretel, sua “condição de coisa foi transferida para outro elemento qualquer: uma bicicleta imobilizada, a escada pairando no vazio ou mesmo os corpos petrificados, coisificados dos personagens”. Para eles, nesses corpos frágeis, espectrais, revela-se, paradoxalmente, a “humanidade” dos primeiros carretéis. A série Os Ciclistas, que o artista trabalha a partir dos anos 1980, e a série As Idiotas, do início da década de 1990, representam a fase final da obra de Iberê, que morreu de câncer aos 79 anos. “Iberê apresenta obras narrativas que descrevem uma ação ou situação envolvendo figuras tristes, com atitude de solidão e abandono, como se anunciassem o destino humano da morte”, finaliza Mônica. Uma obra densa, que o próprio Iberê Camargo sintetizou em uma definição: “O drama, trago-o na alma. A minha pintura, sombria, dramática, suja, corresponde à verdade mais profunda que habita no íntimo de uma burguesia que cobre a miséria do dia-a-dia com o colorido das orgias e da alienação do povo. Não faço mortalha colorida.” Serviço: Iberê Camargo – Moderno no Limite Visitação público: até 14 de dezembro Museu Oscar Niemeyer Rua Marechal Hermes, 999 Aberto de terça a domingo, das 10h às 18h R$ 4,00 inteira e R$ 2,00 estudantes Gratuito para grupos de estudantes agendados até 12 anos, maiores de 60 anos e no primeiro domingo de cada mês

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