“O imperialismo genético”

Dois anos depois de iniciar o cultivo de algodão transgênico, os indianos colheram apenas perdas, denuncia Vandana Shiva, escritora e militante internacional em campanhas pelos direitos da mulher e pelo meio ambiente
Publicação
03/12/2007 - 14:30
Editoria
O governo da Índia está colocando em prática políticas para liberalizar o comércio agrícola, o que está matando nossos camponeses e destruindo nossa agricultura. Mais de 25 mil agricultores se suicidaram depois de se verem asfixiados pelas dívidas em razão do aumento dos custos de produção e da simultânea queda dos preços de seus produtos. Os organismos geneticamente modificados (OGM) são introduzidos, apesar de seus altos custos para os produtores e de seus altos riscos para o meio ambiente. Após dois anos plantando sua primeira safra de OGM, o algodão Bt., os agricultores indianos conseguiram uma colheita inferior às anteriores. Entretanto, o governo repete a afirmação vazia de que os OGM são necessários para resolver o problema da fome. Acabo de voltar de uma viagem por áreas do Estado de Uttaranchal onde observei técnicas de conservação de sementes e de agricultura orgânica. As com zero de insumos estão produzindo por acre mais de três toneladas de arroz ou mais de cinco toneladas de arvejas (espécie de grão em vagem) ou mais de 15 toneladas de frutas, como goiaba, banana, laranja, manga, limas e limões. Em um agudo contraste, a prometida produção de algodão Bt. era de 1,5 tonelada por acre, e, na realidade, foi de apenas 200 quilos. Além disso, em lugar de propiciar o prometido aumento da renda de US$ 220 por acre, os agricultores sofreram perdas de US$ 130 por acre. Diante do crescente número de agricultores endividados que se suicidam e ao crescimento dos fracassos nas colheitas devido ao uso de sementes inadequadas e desnecessárias fornecidas pelas multinacionais, cujo objetivo é o de nos prender em uma dependência, qualquer governo responsável deveria deter a venda de sementes modificadas geneticamente. Os OGM são um caminho seguro para a destruição de nossa soberania e nossa diversidade. Em lugar dos milhares de cultivos que comemos, nossa agricultura se verá reduzida a quatro cultivos de OGM atualmente comercializados em uma escala significativa, ou seja, soja, milho, algodão e canola. Em lugar das características de resistência à seca, às inundações ou à salinidade, e no lugar das qualidades de aroma, sabor ou nutritivas e saudáveis de milhares de variedades de cultivos produzidos por nossos agricultores, os OGM têm apenas duas qualidades: resistência aos herbicidas e à presença de toxinas Bt. Ambas aumentam o nível de toxinas em nossos alimentos e na agricultura. Ambas não são sustentáveis já que, em lugar de controlar ervas daninhas e pestes, criam superervas e superpestes. Em lugar das 600 milhões de mulheres indianas que manejam as sementes com suas mãos, as conservam, selecionam e distribuem com cuidado e inteligência, uma grande empresa, a Monsanto, se converte na “proprietária” de nossas sementes, freqüentemente por meio da biopirataria. Esse é o caso da patente EP 445929 de uma variedade indiana de trigo, concedida pelo Escritório Europeu de Patentes, mas que foi revogada em outubro. Esta ditadura das sementes e este imperialismo genético foram rechaçados pela maior parte dos países. Apenas quatro nações possuem 94% de todas as sementes de OGM plantadas. A engenharia genética é uma tecnologia que prejudica os agricultores e o meio ambiente. * Vandana Shiva é escritora e militante internacional em campanhas pelos direitos da mulher e pelo meio ambiente