Há 122 anos a princesa Isabel assinava a Lei Áurea, que garantia a liberdade de todos os escravos no Brasil. Neste dia 13 de maio, o Museu Histórico Desembargador Edmundo Mercer Júnior traz um pouco da história da escravidão em Tibagi, município que, segundo o IBGE, tem mais de 70% de sua população formada por afrodescendentes. Uma sala do museu é toda dedicada à participação dos negros na formação da identidade cultural do município.
O diretor do Museu, Neri Aparecido Assunção, lembra que no livro História de Tibagi, de Edmundo e Alberto Mercer, alguns aspectos da escravidão na região são abordados. “Quando José Félix veio residir e tomar posse da Fazenda Fortaleza, no século 18, com ele vieram aproximadamente 100 escravos. Ele os mantinha em sua sede para trabalhar na lavoura”, conta, lembrando que Félix combatia os índios da região junto de seu compadre e capitão-do-mato Antonio Machado Ribeiro. “O Machadinho é que veio a ser o primeiro morador efetivo da cidade de Tibagi”, ressalta.
Depois de ajudar no combate aos índios, Machadinho ganhou de seu compadre terras à margem esquerda do Rio Tibagi. “Ali, por volta de 1794, tomou posse e trouxe junto sua família e também alguns escravos”, completa. Primeiramente, os negros trabalhavam na lavoura. “Mais tarde, com o boato de descobertas de diamantes no rio, Machadinho colocou seus escravos à procura das pedras preciosas”. Os negros que conseguiam passar mais tempo submersos eram mais valiosos.
Algumas décadas depois, os herdeiros de Machadinho, instalados com mineiros que vieram do Nordeste do Brasil, receberam a notícia da abolição da escravidão, em 1888. “Em Tibagi, a abolição repercutiu com muita alegria. Os fazendeiros e senhores de escravos cumpriram a Lei Áurea com toda presteza, libertando todos seus escravos”, relatam os historiadores Edmundo e Alberto Mercer.
O diretor do Museu realça que foi assim que Tibagi ganhou grandes famílias de negros. “Aqui se radicaram, se multiplicaram e trabalharam para o engrandecimento e progresso da região”. Uma curiosidade: todos os escravos libertos adotaram os sobrenomes dos seus antigos senhores. “Assim, quase todos os descendentes de escravos de Tibagi conservam ainda a hoje sobrenomes como Taques, Bittencourt, Barbosa, Ribeiro, Machado, Novaes, Mercer e Santos”, salienta.
Com a liberdade, famílias de escravos passaram a residir numa aérea de terra doada entre Tibagi e Castro, onde fundaram um povoado denominado São Damas ou São Damázio. Para Neri, a contribuição das famílias negras de Tibagi é valiosa até os dias de hoje. “Deixaram herança na culinária, que passa por várias gerações, fundaram o Clube Estrela da Manhã e firmaram a identidade de Tibagi através das artes, esportes, música e costumes”.
ORGULHO - Maria Aparecida Agostinho carrega na cor da pele o orgulho por fazer parte de uma das famílias que deram origem a Tibagi. “Minha bisavó era escrava numa fazenda da região, provavelmente na Fortaleza. Ela morreu com mais de 100 anos, um pouco depois da libertação”, revela. Dona Prudência Ribeiro foi mãe solteira de Pedro Ribeiro, que nasceu em 1887, um ano antes da Lei Áurea, mas já assistido pela Lei do Ventre Livre. “Meu avô Pedro contava muitas histórias, principalmente do sofrimento que era aquele trabalho. Mesmo livre, ele não teve naquela época condições de estudar, foi calçar seu primeiro sapato quando precisou se apresentar no Exército”.
A descendente relembra os “causos” do avô sobre os desafios que aquele período de transição apresentavam a quem ganhara a liberdade mas ainda não podia usufruir de todos os direitos. “Ainda hoje o preconceito ainda existe. No entanto, carrego um orgulho muito grande de minha cor, da história da minha família e sei da importância dos meus antepassados na nossa região”, diz Maria Aparecida.
A descendente de escravos conta que, quando criança, com a curiosidade aguçada, perguntava aos avós por que não usavam alianças. No dia do casamento, um bispo emprestou um anel, o mesmo que ele usava. Mas foi só um empréstimo já que o casal não tinha condições de comprar. Ela exalta os fortes laços de união dos seus familiares em torno do patriarca. “Quando meu avô era vivo, todos se reuniam na casa dele. A gente preservava muito a união da família”. Pedro Ribeiro morreu aos 94 anos, em 1981.
CLUBE ESTRELA DA MANHÃ - Mesmo com o fim da escravidão, a presença dos negros não era totalmente aceita. A professora de história e neta do escravo Guido Taques, Maria Olímpia Taques do Prado, conta que no início do século passado os afrodescendentes não podiam entrar nas festas dos brancos. Foi então que em 1934 o senhor Antonio Ribeiro, o Zé Biné, fez uma reunião e tomou a decisão de criar o Clube Estrela da Manhã.
O terreno doado, a menos de 50 metros do Clube Tibagiano, frequentado apenas pela sociedade rica, acabou recebendo uma obra que contou com o esforço dos negros de Tibagi. Foi construído o salão do Estrela da Manhã que por muitas décadas funcionou como local de entretenimento.
De acordo com a professora, muitos negros se sucederam na presidência do Estrela, movimentando a vida cultural da cidade. “Mas com o passar do tempo a estrutura foi se deteriorando e o clube acabou sendo desativado na última década. Agora estamos unindo esforços para reativá-lo”, completa.
A campanha em busca de recursos para a reconstrução do Estrela da Manhã iniciou ano passado com a participação de mais de 100 sócios que contribuem mensalmente. “Também fazemos bingos, feijoadas e várias ações para juntar dinheiro”, destaca Olímpia.
ABOLIÇÃO - Apesar da escravidão ser considerada “normal” do ponto de vista da maioria, havia no Brasil do século XVII aqueles que eram contra. Eram os abolicionistas, grupo formado por literatos, religiosos e políticos. Contudo, a prática permaneceu por mais de 200 anos. Isso porque a economia do país contava somente com o trabalho escravo para realizar as tarefas da roça e outras serviços pesados. As providências para a libertação dos escravos foram tomadas lentamente.
Em 1885, foi aprovada a lei Saraiva-Cotegipe ou a lei dos Sexagenários, que beneficiava os negros de mais de 65 anos. Foi em 13 de maio de 1888, através da Lei Áurea, que liberdade total finalmente foi alcançada pelos negros no Brasil. Esta lei, assinada pela Princesa Isabel, abolia de vez a escravidão no Brasil.
MUSEU - Em parceria com o Museu Histórico Desembargador Edmundo Mercer Júnior, toda semana no site da Prefeitura de Tibagi (www.tibagi.pr.gov.br) são postadas histórias, fatos e acontecimentos que marcaram época em Tibagi. Sobre este assunto, há imagens e documentos no acervo.
O Museu está aberto à visitação de segunda à sexta-feira, das 8h30 às 11h30 e das 13 horas às 17h30. Aos sábados e domingos, o acervo está à disposição das 8h30 às 11h30 e das 13h30 às 17 horas.
Pesquisa: Neri Aparecido de Assunção / www.suapesquisa.com.br
Livro: História de Tibagi, de Edmundo e Alberto Mercer
Imagens: Arquivo Museu Histórico / Christian Camargo
Sugestões de legendas: Fotos, instrumentos e cartas de alforria reservam a história dos negros de Tibagi no Museu
Mais sobre o assunto: Neri Aparecido Assunção: (42) 3916-2189
Assessoria de Comunicação (42) 3916-2120 / 8822-3304
Maria Aparecida Agostinho (42) 3275-1037
O diretor do Museu, Neri Aparecido Assunção, lembra que no livro História de Tibagi, de Edmundo e Alberto Mercer, alguns aspectos da escravidão na região são abordados. “Quando José Félix veio residir e tomar posse da Fazenda Fortaleza, no século 18, com ele vieram aproximadamente 100 escravos. Ele os mantinha em sua sede para trabalhar na lavoura”, conta, lembrando que Félix combatia os índios da região junto de seu compadre e capitão-do-mato Antonio Machado Ribeiro. “O Machadinho é que veio a ser o primeiro morador efetivo da cidade de Tibagi”, ressalta.
Depois de ajudar no combate aos índios, Machadinho ganhou de seu compadre terras à margem esquerda do Rio Tibagi. “Ali, por volta de 1794, tomou posse e trouxe junto sua família e também alguns escravos”, completa. Primeiramente, os negros trabalhavam na lavoura. “Mais tarde, com o boato de descobertas de diamantes no rio, Machadinho colocou seus escravos à procura das pedras preciosas”. Os negros que conseguiam passar mais tempo submersos eram mais valiosos.
Algumas décadas depois, os herdeiros de Machadinho, instalados com mineiros que vieram do Nordeste do Brasil, receberam a notícia da abolição da escravidão, em 1888. “Em Tibagi, a abolição repercutiu com muita alegria. Os fazendeiros e senhores de escravos cumpriram a Lei Áurea com toda presteza, libertando todos seus escravos”, relatam os historiadores Edmundo e Alberto Mercer.
O diretor do Museu realça que foi assim que Tibagi ganhou grandes famílias de negros. “Aqui se radicaram, se multiplicaram e trabalharam para o engrandecimento e progresso da região”. Uma curiosidade: todos os escravos libertos adotaram os sobrenomes dos seus antigos senhores. “Assim, quase todos os descendentes de escravos de Tibagi conservam ainda a hoje sobrenomes como Taques, Bittencourt, Barbosa, Ribeiro, Machado, Novaes, Mercer e Santos”, salienta.
Com a liberdade, famílias de escravos passaram a residir numa aérea de terra doada entre Tibagi e Castro, onde fundaram um povoado denominado São Damas ou São Damázio. Para Neri, a contribuição das famílias negras de Tibagi é valiosa até os dias de hoje. “Deixaram herança na culinária, que passa por várias gerações, fundaram o Clube Estrela da Manhã e firmaram a identidade de Tibagi através das artes, esportes, música e costumes”.
ORGULHO - Maria Aparecida Agostinho carrega na cor da pele o orgulho por fazer parte de uma das famílias que deram origem a Tibagi. “Minha bisavó era escrava numa fazenda da região, provavelmente na Fortaleza. Ela morreu com mais de 100 anos, um pouco depois da libertação”, revela. Dona Prudência Ribeiro foi mãe solteira de Pedro Ribeiro, que nasceu em 1887, um ano antes da Lei Áurea, mas já assistido pela Lei do Ventre Livre. “Meu avô Pedro contava muitas histórias, principalmente do sofrimento que era aquele trabalho. Mesmo livre, ele não teve naquela época condições de estudar, foi calçar seu primeiro sapato quando precisou se apresentar no Exército”.
A descendente relembra os “causos” do avô sobre os desafios que aquele período de transição apresentavam a quem ganhara a liberdade mas ainda não podia usufruir de todos os direitos. “Ainda hoje o preconceito ainda existe. No entanto, carrego um orgulho muito grande de minha cor, da história da minha família e sei da importância dos meus antepassados na nossa região”, diz Maria Aparecida.
A descendente de escravos conta que, quando criança, com a curiosidade aguçada, perguntava aos avós por que não usavam alianças. No dia do casamento, um bispo emprestou um anel, o mesmo que ele usava. Mas foi só um empréstimo já que o casal não tinha condições de comprar. Ela exalta os fortes laços de união dos seus familiares em torno do patriarca. “Quando meu avô era vivo, todos se reuniam na casa dele. A gente preservava muito a união da família”. Pedro Ribeiro morreu aos 94 anos, em 1981.
CLUBE ESTRELA DA MANHÃ - Mesmo com o fim da escravidão, a presença dos negros não era totalmente aceita. A professora de história e neta do escravo Guido Taques, Maria Olímpia Taques do Prado, conta que no início do século passado os afrodescendentes não podiam entrar nas festas dos brancos. Foi então que em 1934 o senhor Antonio Ribeiro, o Zé Biné, fez uma reunião e tomou a decisão de criar o Clube Estrela da Manhã.
O terreno doado, a menos de 50 metros do Clube Tibagiano, frequentado apenas pela sociedade rica, acabou recebendo uma obra que contou com o esforço dos negros de Tibagi. Foi construído o salão do Estrela da Manhã que por muitas décadas funcionou como local de entretenimento.
De acordo com a professora, muitos negros se sucederam na presidência do Estrela, movimentando a vida cultural da cidade. “Mas com o passar do tempo a estrutura foi se deteriorando e o clube acabou sendo desativado na última década. Agora estamos unindo esforços para reativá-lo”, completa.
A campanha em busca de recursos para a reconstrução do Estrela da Manhã iniciou ano passado com a participação de mais de 100 sócios que contribuem mensalmente. “Também fazemos bingos, feijoadas e várias ações para juntar dinheiro”, destaca Olímpia.
ABOLIÇÃO - Apesar da escravidão ser considerada “normal” do ponto de vista da maioria, havia no Brasil do século XVII aqueles que eram contra. Eram os abolicionistas, grupo formado por literatos, religiosos e políticos. Contudo, a prática permaneceu por mais de 200 anos. Isso porque a economia do país contava somente com o trabalho escravo para realizar as tarefas da roça e outras serviços pesados. As providências para a libertação dos escravos foram tomadas lentamente.
Em 1885, foi aprovada a lei Saraiva-Cotegipe ou a lei dos Sexagenários, que beneficiava os negros de mais de 65 anos. Foi em 13 de maio de 1888, através da Lei Áurea, que liberdade total finalmente foi alcançada pelos negros no Brasil. Esta lei, assinada pela Princesa Isabel, abolia de vez a escravidão no Brasil.
MUSEU - Em parceria com o Museu Histórico Desembargador Edmundo Mercer Júnior, toda semana no site da Prefeitura de Tibagi (www.tibagi.pr.gov.br) são postadas histórias, fatos e acontecimentos que marcaram época em Tibagi. Sobre este assunto, há imagens e documentos no acervo.
O Museu está aberto à visitação de segunda à sexta-feira, das 8h30 às 11h30 e das 13 horas às 17h30. Aos sábados e domingos, o acervo está à disposição das 8h30 às 11h30 e das 13h30 às 17 horas.
Pesquisa: Neri Aparecido de Assunção / www.suapesquisa.com.br
Livro: História de Tibagi, de Edmundo e Alberto Mercer
Imagens: Arquivo Museu Histórico / Christian Camargo
Sugestões de legendas: Fotos, instrumentos e cartas de alforria reservam a história dos negros de Tibagi no Museu
Mais sobre o assunto: Neri Aparecido Assunção: (42) 3916-2189
Assessoria de Comunicação (42) 3916-2120 / 8822-3304
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