O setor elétrico brasileiro precisa retomar com urgência seu planejamento de longo prazo, avaliando num horizonte de 30 anos as perspectivas de novas obras de geração capazes de satisfazer convenientemente as exigências do mercado consumidor.
A posição foi defendida pelo secretário de planejamento do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, durante o fórum Desafios do Setor Elétrico Brasileiro que encerrou nesta quinta-feira a programação técnica do 18o SNPTEE – Seminário Nacional de Produção e Transmissão de Energia Elétrica, o maior evento do setor no país.
Ele anunciou para o mês de dezembro, ainda antes do leilão de energia nova programado pela Aneel para o dia 16, a divulgação do Plano Decenal do Setor Elétrico contemplando o período 2006 a 2015. “Estamos retomando o planejamento indicativo das novas obras, tarefa que compete exclusivamente ao Governo, com o objetivo de sinalizar aos agentes o que esperamos e o que será preciso fazer em termos de expansão das instalações de energia elétrica”.
Interligação – Dentro do Plano Decenal, Zimmermann destacou a urgência na interligação dos sistemas elétricos isolados que operam no Norte do país e geram eletricidade basicamente a partir de óleo. “O custo elevado desse combustível é repartido entre todos os brasileiros, sob a forma de encargo chamado conta de consumo de combustíveis, que representa algo como R$ 3,6 bilhões por ano”, explicou o secretário. “Metade disso é usada só para cobrir o custo do óleo gasto em Manaus e deixar as tarifas em patamares semelhantes às dos demais brasileiros”.
Com a interligação dos sistemas isolados que atendem Manaus e os estados do Acre e Rondônia, cujo porte equivale à demanda do Paraguai, Zimmermann acredita que seja possível reduzir em até 80% o montante necessário para subsidiar o óleo combustível utilizado. “Estamos projetando para 2006 realizar os leilões das últimas linhas e subestações que faltam para completar essa interligação”.
Esgotamento – Para o secretário, o Brasil deve começar a se preocupar também em modificar sua matriz energética, já que o potencial hidráulico nacional para a produção de eletricidade deverá estar completamente aproveitado antes de 2020. “O consumo médio do país tem crescido à razão de 5% ao ano, já considerados o racionamento de 2001 e todos os anos da chamada década perdida, a de 80, quando a economia quase não teve expansão”, frisou Márcio Zimmermann. “Isso significa adicionar ao sistema de geração uma nova usina do tamanho de Itaipu a cada dois ou três anos para satisfazer o crescimento do consumo”.
Mas o secretário também alertou para o esgotamento em breve dos potenciais hidráulicos e para a necessidade de a sociedade começar a repensar o uso de outras fontes. “Junto com o planejamento indicativo, o Ministério de Minas e Energia desenvolve o projeto de matriz energética com horizonte focado no ano de 2030”, anunciou. “Esse Plano Nacional de Energia deverá ser discutido amplamente com toda a sociedade para que ela aponte as fontes de energia a serem utilizadas de maneira preferencial”.
Preservação – O fórum que discutiu os desafios do setor elétrico contou com a participação, também, de Jerson Kelman, diretor geral da Agência Nacional de Energia Elétrica, Volnei Zanardi, da secretaria executiva do Ministério do Meio Ambiente, Luiz Carlos Guimarães, presidente da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia e de Celso Ferreira, diretor de projetos da Cemig. O mediador foi o ex-ministro de Minas e Energia e ex-presidente da Copel, Francisco Gomide.
O grande tema que dirigiu as discussões foi a necessidade de harmonizar as demandas do setor elétrico com as exigências decorrentes da legislação ambiental.
Jerson Kelman, diretor da agência que regula e fiscaliza o setor, foi taxativo ao dizer que “a sociedade precisa buscar os aproveitamentos de impacto mínimo, pois o impacto zero não existe”. A Aneel pretende realizar em 16 de dezembro um leilão de concessões para a construção e operação de novas usinas hidrelétricas, mas tem enfrentado problemas na obtenção das licenças ambientais prévias: das 17 usinas programadas para irem a leilão, só três obtiveram a licença e outra mais está em vias de consegui-la. “Acho que falta um pouco de visão de conjunto ao debate da questão”, opinou Kelman. “Mais que possível, é necessário encontrar um ponto de equilíbrio entre expansão e preservação”.
Integração – O representante do Ministério do Meio Ambiente, Volnei Zanardi manifestou concordância com o raciocínio e complementou: “As audiências públicas e as discussões em torno do licenciamento de novos projetos são uma das poucas – senão as únicas – oportunidades que a sociedade tem para se manifestar sobre projetos setoriais de desenvolvimento”. Ele enfatizou que é preciso formular e implementar uma política integrada que incorpore ao planejamento do setor elétrico as dimensões sócio-ambientais dos empreendimentos.
Na opinião de Celso Ferreira, diretor da Cemig que abordou o tema sob o ponto de vista dos investidores em geração e transmissão, a questão ambiental é muito complicada no Brasil, onde são exigidos três licenciamentos para uma mesma obra: a licença prévia, a licença de instalação e a licença de operação. “No Chile, basta uma única licença e aqui são necessárias três, podendo haver exigências ambientais adicionais em cada uma das etapas, desestimulando ou onerando em demasia o investidor”. Para ele, com tamanha insegurança sobre os custos do projeto que se propõe a realizar, o investidor pode acabar desistindo da obra ou torná-la absurdamente cara por conta de precauções que irá adotar para se proteger dos riscos”.
Pelas distribuidoras de energia elétrica falou o presidente de sua associação, Luiz Carlos Guimarães. Ele destacou a existência de dois fatores que produzem insegurança dentro da atividade e cuja solução é também um desafio para o setor. “O primeiro tem a ver com os marcos regulatórios, que ainda não estão totalmente consolidados, mas vêm sendo aprimorados, embora precisem ser finalizados com a máxima urgência”, alinhou. “O outro fator é de natureza jurídica, pois contratos para investimentos cuja durabilidade é contada em décadas vêm sendo questionados e revistos numa rotina pendular”. Na interpretação do presidente da Abradee, “é como se a Justiça baixasse um novo contrato, mantendo o investidor sob risco constante”.