Investigação evita pagamento ilegal de R$ 50 milhões à máfia dos precatórios

Procuradoria Geral do Estado já solicitou prisão de envolvidos, que são procurados pelas polícias Civil e Federal
Publicação
07/08/2006 - 12:48
Editoria
A Procuradoria Geral do Estado (PGE) está desbaratando uma quadrilha especializada em fraudes com precatórios. As investigações da Procuradoria de Previdência Funcional evitaram que o Estado pagasse R$ 50 milhões em precatórios indevidos e resultaram em seis pedidos de prisão. Dois dos principais envolvidos estão foragidos e são procurados pelas Polícias Civil e Federal. Mas ainda há muito a fazer, garantem os procuradores. Eles estimam que a quadrilha roubou mais de R$ 200 milhões — parte considerável dessa quantia vazou dos cofres públicos entre 1998 e 2000, de acordo com a investigação. As irregularidades chamaram a atenção dos procuradores após a extinção do Instituto de Previdência do Estado. “Até então, o IPE controlava as causas previdenciárias movidas contra o Estado. Quando ele foi extinto, esse controle passou para a PGE. A partir daí, começaram a surgir várias denúncias de pessoas lesadas no recebimento de precatórios. Isso levantou a suspeita de que algo estava errado”, conta o procurador-chefe da Procuradoria de Previdência Funcional da PGE, Paulo Gomes Júnior. Desde 2003, ele está no comando da investigação, batizada de Operação Máfia dos Precatórios. As principais vítimas são servidores públicos inativos. “Muitos aposentados e pensionistas foram iludidos, por empresas de fachada abertas pela quadrilha, a venderem por ninharia ou mesmo doarem precatórios que tinham a receber”, explica Gomes. Há casos de precatórios recebidos em ações ganhas pelo Estado — em que, portanto, nada deveria ter sido pago. Em outros, o Estado, condenado, pagou a dívida mais de uma vez. “Até pessoas mortas são usadas pela quadrilha, como ‘laranjas’, para receber precatórios”, afirma o procurador. As investigações ainda estão em curso, mas os procuradores já sabem que a quadrilha é muito bem organizada e ramificada. “Não se monta um esquema como esse, que dura tanto tempo e movimenta tanto dinheiro, com a participação de pouca gente”, explica Gomes. A PGE já apurou que ao menos dez advogados estão envolvidos com a Máfia dos Precatórios. A investigação já motivou mais de 500 ofícios enviados pela PGE à Justiça, ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil e a entidades de defesa de servidores aposentados e pensionistas. “Mas isso ainda é a ponta do iceberg. Ainda há muito a vir à tona”, garante o procurador. Foragidos — “Um dos grandes beneficiários do esquema, entretanto, já foi descoberto”, afirma Gomes. Trata-se do advogado Carlos Alberto Pereira, que tem prisão decretada desde 30 de junho — atualmente, ele está foragido. Na quinta-feira passada (3), a juíza Lillian Romero, da 2.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, negou liminarmente pedido de habeas corpus solicitado pelo advogado. Segundo Paulo Gomes, Pereira operava ações de 5 mil pessoas com precatórios a receber em ações previdenciárias contra o Estado, a maioria delas oriunda do IPE. O advogado é acusado de ajuizar e receber precatórios em duplicidade, formação de quadrilha, sonegação fiscal, apropriação indébita, coação no curso do processo, uso de documentos falsos, fraude e recebimento de dinheiro público em nome de mortos, entre outros crimes. A investigação aponta que Pereira mantinha uma empresa de fachada para negociar precatórios — a Citiserv, registrada na Junta Comercial do Paraná no mesmo endereço de seu escritório de advocacia. Os sócios da empresa, que foram presos, eram funcionários do advogado. Os procuradores apuraram que ele induzia aposentados e pensionistas — freqüentemente pessoas simples e, não raro, analfabetas — a assinarem documentos doando precatórios a receber em ações contra o Estado. Gomes relata que, num dos casos, uma pensionista de 79 anos foi levada a assinar documento em que entregava a Pereira um precatório de R$ 44 mil. O procurador, que já investigava o advogado, desconfiou da fraude e obteve decisão judicial anulando o documento. Em seguida, descobriu que o Estado já fizera um depósito judicial para a pensionista, que no entanto nunca recebeu o dinheiro. “Pereira já havia recebido o primeiro depósito, e operava para conseguir um novo pagamento pela mesma ação”, diz. Gravações — A Polícia Civil gravou conversas mantidas por Pereira com autorização da Justiça. As gravações ajudam os procuradores e a polícia a rastrear as ramificações da Máfia dos Precatórios. Em uma delas, o advogado fala sobre as investigações. “O Estado consegue condenar alguém quando um acusa o outro. Se ficar unido (sic), não”, diz ele ao seu interlocutor. “Vamos continuar unidos. Pega um, pega outro, vai todo mundo pra cadeia”. Depois de mais de 60 processos disciplinares, Pereira está suspenso pela OAB — o julgamento de sua expulsão da Ordem está previsto para o final de setembro. Da biografia do advogado, consta ainda uma incursão pela política — ele foi candidato a governador pelo Partido Democrata Cristão, em 1986. Terminou em penúltimo lugar. Também está foragida Rosângela Smaniotto, ex-diretora jurídica do IPE. “Por seu cargo no IPE, Rosângela era responsável por fiscalizar fraudes em ações previdenciárias contra o Estado. No entanto, ela é acusada de ser participante da Máfia dos Precatórios”, afirma Gomes. Os bens dela estão bloqueados pela Justiça. “Enquanto prosseguem as investigações, os juízes da Vara da Fazenda Pública endurecem o jogo contra os fraudadores”, explica o procurador. Os juízes estão exigindo procuração atualizada aos advogados, para evitar que fraudadores continuem a receber dinheiro do Estado em ações de pessoas que já faleceram. Em alguns casos, exige-se que o dinheiro seja depositado diretamente na conta dos beneficiários — aposentados, pensionistas ou familiares —, em vez de permitir que o saque seja feito pelo advogado. “Já desmontamos parte do esquema, que teve seu auge entre 1998 e 2000, e arrefeceu após o início das investigações”, diz Gomes. “Mas ainda há trabalho a fazer. E vamos fazê-lo.” BOX – Entenda o que é precatório Precatório é uma requisição de pagamento feita de valores acima de 40 salários-mínimos por beneficiário a que o Estado foi condenado em processo judicial. O Estado do Paraná deve R$ 12 bilhões em precatórios e, por determinação da Justiça, deposita todo mês R$ 10,5 milhões em precatórios alimentares — os referentes a ações decorrentes de revisão salarial, de aposentadoria ou pensão. As requisições recebidas até 1.º de julho de um ano são autuadas como precatórios, atualizadas nesta data e incluídas na proposta orçamentária do ano seguinte. Os precatórios autuados depois desta data serão atualizados em 1.º de julho do ano seguinte e inscritos na proposta orçamentária subseqüente. Quando os recursos são liberados, o tribunal ordena o pagamento. Para isso, é aberta uma conta de depósito judicial para cada precatório, em que é creditado o valor correspondente. O juiz da execução determina então a expedição do alvará de levantamento, permitindo o saque do valor pelos beneficiários.