Waldir D’Angelis*
A imprensa brasileira descobriu a ética. Velhos políticos passaram a falar de ética. Alguns filósofos deitaram falação sob os holofotes da mídia, deleitando-nos a nós pobres mortais e ignorantes das questões de honestidade, com sua sapiência sobre a ética e o comportamento exemplar que cada cidadão deve ter perante a sociedade, numa generalização ao gosto dos livros de auto-ajuda.
Por que só agora a mídia, setores da direita, da chamada oposição, da elite econômica, resolveram que o Brasil passa por uma crise de ética? Não leram sobre a formação histórica do Brasil? Desconhecem as capitanias hereditárias e o sistema de heranças e transmissão de terras? Ignoram a escravidão e suas seqüelas? O massacre dos silvícolas? E no Paraná, ignoram as centenas de contratos nefastos ao bem público que foram patrocinados pela corriola do governo anterior? Ignoram a venda da Copel? Os contratos abusivos e desonestos do pedágio? A tentativa de vender o Porto? A venda da Sanepar? A venda de reflorestamentos públicos a preços aviltantes? O Banestado?
Somos todos herdeiros de um sistema político clientelista, cuja compra de votos foi sempre a regra e não a exceção, inclusive para o estabelecimento da reeleição em proveito próprio, como fez Fernando Henrique Cardoso e seu escudeiro Sérgio Motta.
Como o papel aceita tudo, nada mais fácil hoje em dia para os que detêm o poder da informação que levantar calúnias e mentiras contra seus adversários, mesmo que existam aqui e ali alguns deslizes praticados pelos acusados, mas que os próprios acusadores já cometeram algum dia (alguns até mais graves do que os culpados de hoje). E falam todos de boca cheia contra a grande crise de ética no país em defesa da democracia e da liberdade de imprensa. E a entrega da Vale do Rio Doce a preço aviltante? E a maracutaia Abril-TVA? E a CPI do Banestado? E as concorrências públicas no Estado de São Paulo?
Como diria o velho Nietzsche: “ao que serve essa moral?”. Que privilégios estão por detrás desta postura? O que querem os arautos da nova onda moralizadora do “cansei”? O que quer a grande imprensa? O mesmo que queriam os da marcha da família em 64: manter seus privilégios à custa da miséria e ignorância de muitos.
Hipocrisia, fingimento, impostura. Os mesmos que enriqueceram usando o que deveria ser público agora se revoltam quando o poder público se volta para os que nada tem.
*Waldir D’Angelis é professor, conferencista, escritor, analista político e assessor no Conselho Revisor do Governo do Paraná - waldirdangelis@uol.com.br