Funcionária recebe título de servidora pública padrão

Fora do trabalho, “Dona Egeni” ainda encontra energia para cantar no Coral do Paraná, do qual é presidente, e também para realizar trabalho voluntário em creches, asilos e hospitais
Publicação
26/10/2005 - 16:48
A funcionária da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Egeni Thomé, 69 anos, recebe às 20 horas desta quarta-feira (26), na Câmara Municipal de Curitiba, o título de Servidora Pública Padrão. Há 56 anos no Estado, 20 dos quais na Secretaria, onde atua no Setor de Protocolo, “Dona” Egeni, como é chamada pelos colegas de trabalho, que fazem questão de manter essa forma de tratamento em sinal de respeito, começou trabalhando na Imprensa Oficial do Estado, em 1948, com 13 anos. Sua função era a de vender o “Diário Oficial”. “Dona Egeni” lembra com bom humor dessa época. O clima era de eleição política no Estado e caso o governador eleito fosse Bento Munhoz da Rocha, ela e mais 13 meninas que trabalhavam juntas poderiam perder o emprego já que eram menores de idade. Para que isso não acontecesse o diretor da Imprensa Oficial da época convocou os pais das meninas e propôs mudar os seus registros, aumentando a idade para 18. “E assim foi. Meu pai tinha dito: aumentamos a sua idade e quando você sair daqui você muda o seu registro novamente”. Na Imprensa Oficial, no Setor de Encadernação, “Dona Egeni” trabalhou durante seis meses, sendo depois transferida para o Setor de Revisão, onde permaneceu durante 14 anos, até que o governador Ney Braga resolveu que todas as publicações feitas pelas Secretarias do Estado deveriam passar primeiro pela Imprensa Oficial. Foi então criado o Setor de Repasse, “Dona Egeni” na chefia. Aí, ela trabalhou com praticamente todas as gráficas de Curitiba já que a Imprensa Oficial não dava conta de imprimir todas as publicações. Às vésperas da aposentadoria, “Dona Egeni” foi convidada pelo Diretor da Imprensa Oficial da época a permanecer no local, desta vez como CLT. “Não recusei porque tinha seis filhos para criar”. Vieram outros governos, muitas estórias para contar. “O que sempre me manteve no trabalho foi meu caráter. Sempre levei uma vida correta, nunca aceitei nada de ninguém, a não ser em época de Natal”. A seguir, outros depoimentos de “Dona Egeni”: Trabalho voluntário no Leprosário de Curitiba “Todas nós, a Cesarina, a Regina, a Lisete, fazíamos toucas, mantas, cachecóis e meias de tricô e levávamos para o Leprosário. A gente fazia na hora do almoço mesmo, íamos almoçar na Casa Civil, voltávamos e ficávamos tricotando”. “A gente passou por situações muito tristes. A gente levava um gorro e de repente estava frio, muito frio, e a gente queria levar meia e perguntava: Qual a cor que você quer? A resposta: Só quero um pé. Então, então a gente perguntava: ‘Por quê? E elas puxavam a cobertinha da cadeira de rodas e mostravam que só tinham um pé. E a gente ficava chocado, tinha que se controlar, e elas agiam naturalmente, até dizendo: Olha, aquela ali também, então dê um pé pra mim e pra aquela lá. Então aquilo é uma lição de vida pra gente”. “Já faz mais de 20 anos que a gente realiza esse trabalho, cantando com o Coral Paraná e fazendo o Bazar do Bagulho, arrecadando panela, vaso, etc. No fim do ano nós compramos doces e brinquedos para uma creche, uma escola rural muito pobre. Essa festa já dura 10 anos. Também tem uma creche com 70 crianças com a qual contribuímos com brinquedos, refrigerantes, cachorro quente, etc. Levamos também pro Leprosário e pro Frei Rui, que ajuda uma favela onde tem pessoas com hanseníase, e para o Asilo Jesus, Maria, José, além de mais duas creches”. No Coral - “Eu ensaio toda segunda feira, às 18:00, na garagem da Assembléia, onde tem um auditório para 40, 45 pessoas. Mas a nossa sala mesmo é lá no Conglomerado, onde estão todas as nossas coisas, piano, etc, quem repassa a verba é a Secretaria de Administração e Previdência. Nós fazemos o pedido para o ano para pagar o maestro, o pianista e os auxiliares. Não temos mensalão, não temos quinzenão, não ganhamos nada, fazemos isso por amor. Representamos o governo em tudo quanto é lugar, tem muito funcionário lá já aposentado.Então a gente vai levando a vida como uma terapia”. “Elci Pacheco de Carvalho foi quem passou de secretaria em secretaria selecionando gente pra cantar no Coral. Então o pessoal falou ‘você que gosta de cantar, vai lá fazer o teste’, e eu perguntei: ‘que teste?’Aí estava lá numa sala e eu fui lá fazer o teste e me disseram: ‘a senhora é soprano’. Então começamos a ensaiar, fizemos uma apresentação para o Ney Braga e fizemos a apresentação para missa do Papa quando ele veio pra cá, junto com o Colégio Estadual, do maestro Mário Garal. Foram 400 vozes. Naquele tempo não tinha como filmar com facilidade, então a gente não tem nada registrado, mas foi lindo!” Família - “Na vida tudo tem que se levar muito a sério, a gente tem que ter uma vida correta, ser exemplo dentro da casa da gente. E eu como criei cinco homens e uma mulher, eu podia chegar e falar com eles e aconselhar eles de cabeça erguida. A gente tinha o pulso firme, podia olhar olho no olho porque eles não tinham nada pra dizer contra a mamãe. Então até hoje no dia dos pais eu recebo mensagem, o mais velho que mora em São Paulo me telefona e brinca: ‘Hoje é seu dia!’, ‘Ah, é? Agora virei homem?”. O pai deles foi um pai muito bom durante os 25 anos de casado, mas depois se tornou muito ausente, então eu criei meus filhos praticamente sozinha. Agora, na velhice, ele começou a se aproximar mais, especialmente depois que um filho meu que veio a falecer. Minha filha fez a faculdade, mas minha família que teve que ajuda.... o balet também ela teve que largar porque eu não tinha como pagar as roupas, o piano, eu também tive que tirar, mas ela nunca se revoltou. E hoje eu tenho 10 netos”. Filhos - “O mais velho era jogador de futebol, jogou na Portuguesa, e quando arranjou uma namorada, com quem casou e teve filhos, ele pedia para eu ir lá pro Rio, e a gente ia para visitar a namorada, porque ele queria provar para ela que ele não era malandro e tinha uma família. O outro fez bacharelado em informática e acabou falecendo também. A menina também está formada”. Só quem não se formou foi meu caçula, o Júnior, que faleceu num acidente de moto. Ele duas vezes trancou a matrícula por conta do trabalho que ele fazia como radio amador, com as crianças desaparecidas. Foi ele quem começou essa campanha pelas crianças desaparecidas, foi o Rubens, meu filho e não a dona Arlete. Foi num ano a reunião na minha casa, na hora que ele viu na TV a dona Alerte chorando quando o filho dela desapareceu, ele ligou imediatamente para ela e no dia seguinte ela já estava lá em casa, falando no microfone pedindo ajuda para achar o filho. E daí por diante foram surgindo outros casos e o Rubens foi quem criou a campanha e indicou a dona Alerte como presidente e mais um outro pai.” Esse é um pedaço da minha vida. E agora já passou o pior das piores coisas, o que me sustenta é a fé. Acidentes de trabalho - “Mas o que eu gosto mesmo é de justiça, desde o tempo da imprensa, quando havia muito surdo mudo trabalhando e quando acontecia alguma coisa, eu procurava saber para ver se estava correto. Uma vez um provocou o outro e pegou um pedaço de pau e saiu correndo atrás, e eu estava passando no corredor e não adiantava gritar, porque ele não ouvia, então eu disse: ‘Seus palhaços, segurem ele!’, porque estava todo mundo parado olhando! Porque se ele pegasse ele matava e precisou três para segurar ele. Daí quiseram suspender ele, mas eu disse: ‘Antes de vocês suspenderem, vejam o que o outro fez pra ele’, e o outro tinha ofendido a mãe do rapaz”. “Sempre que acontecia algum acidente na Imprensa era eu quem levava, já era até conhecida ali no Cajuru. Um dia um rapaz prendeu o dedo numa máquina, daí tiraram o dedo, eu fui direto no gabinete, pus gelo no dedo e levei o pedaço para costurarem no Cajuru, mas não deu, deve Ter triturado, não sei...” “Tem um que trabalha até hoje, o Dagoberto, ele diz assim: ‘A senhora me salvou a vida.’, porque ele teve uma crise de vesícula e ninguém tomava uma providência e ele se torcendo de dor, daí era na hora do almoço, eu tirei o prato do motorista e disse: ‘Pára de almoçar, você come depois, ele está morrendo’, e ele disse: ‘Eu não posso sair sem ordem do diretor’, eu disse que depois me entendia com o diretor e levei o rapaz na hora paro hospital, e já foi operado logo de tarde, porque estava quase estourando, ele iria morrer. Levamos ele desmaido de dor e lá ainda foi outra briga, porque não queriam atender, mas eu pus a boca no trombone: ‘Vocês não querem atender ele? Eu sou da imprensa! Se ele morrer eu vou fazer uma reportagem contra vocês!’ Eles atenderam rapidinho, mal sabiam que a imprensa era isso aqui, o Diário Oficial (risos).”