O economista e presidente do Instituto Latino-americano (Iela) da Universidade Federal de Santa Catarina, Nildo Ouriques, avaliou nesta quinta-feira (26), em Foz do Iguaçu, que é fundamental o estabelecimento de um novo sistema político para o enfrentamento da crise econômica. Nildo participa do seminário “Crise – Desafios e Soluções na América Latina”, promovido pelo Governo do Paraná até esta sexta-feira (27), com o governador Roberto Requião, secretários de Estado, governadores e especialistas.
Nildo propôs que o novo sistema político da América Latina deve ir no sentido de um “novo constitucionalismo”, a exemplo do que estão fazendo países como Venezuela, Equador e Bolívia. A redefinição, conforme defendeu, seria baseada principalmente na mudança da ideologia adotada pelos capitalistas que defende o livre comércio, a autorregulação do mercado, das finanças e da produção.
“Aqueles que defenderam essas ideias estão se defrontando com a árdua tarefa de ver o mundo derretendo diante de seus olhos a partir de práticas advindas de uma idéia que era popular, de fácil aceitação, que ganhou o mundo político, do jornalismo e dos intelectuais com rapidez”, explicou. “Agora este modelo é responsável por mostrar a irracionalidade do sistema capitalista. Portanto, não podemos ceder no juízo teórico e político que estamos fazendo sobre esta crise”, salientou Nildo.
Para o economista, o sistema político baseado nessas ideias “é incapaz de resolver os grandes problemas, de enfrentar esta crise, mas é parte da crise”. Por isso seria necessária a adoção de um novo sistema. “É preciso pensar a crise desde a economia política. É necessário superar o caráter tecnocrático que o debate sobre a economia adquiriu no Brasil e no mundo nos últimos anos, de forma a evitar ilusões sobre o alcance do problema”, argumentou.
O professor ainda defendeu que os políticos devem mudar suas posturas neste momento. “Estamos precisando de um novo tipo de político, porque o político tradicional ajudou a criar esta crise e não está disposto a enfrenta-la, com suas conseqüências devastadoras. Portanto, faz parte da feição do novo político enfrentar este debate com a grandeza que ele tem, colocando todas as ideias, inclusive as que, a primeira vista, podem nos parecer absurdas”, afirmou Nildo.
Outro ponto defendido por Nildo refere-se à participação popular. Segundo ele, a democracia liberal “não dá mais conta do assunto”. Por isso, afirmou, o novo sistema político que está em curso no Equador, Bolívia e Venezuela coloca que as grandes decisões nacionais devem passar por votação popular. “Não dá para deixar essas discussões para o Congresso Brasileiro, que não é mais capaz de representar e de encontrar uma saída para a crise”, criticou.
DEPRESSÃO – O economista colocou que o mundo vive uma depressão, “muito mais grave, profunda e, provavelmente, mais prolongada que a de 1929”. “Não podemos passar por ela como se fosse uma pequena turbulência, como se fosse a crise das bolsas de valores de 1997. Estamos em uma crise sistêmica e é o momento de pensar as grandes alternativas, as novidades e aquilo que foi proibido de ser pensado”, disse.
Por isso, disse, a crise não pode ser resolvida com medidas anticíclicas. “Esta parece ser a fé dominante, que implica em uma brutal desvalorização da riqueza, na precarização ainda maior do trabalho e dos trabalhadores, com desemprego massivo em primeiro lugar, que será a face mais evidente da crise, além de uma superexploração dos trabalhadores nos países centrais e nos periféricos, que têm 2/3 dos trabalhadores sem carteira assinada. Em escala global, alguns países sairão com mais poder e riqueza que outros. Teremos um sistema mais desigual que este que nos atemos”, avaliou.
Nildo disse ainda que a crise não se limita ao sistema financeiro, mas afeta também a produção e o comércio. “Segundo Pascoal Lamy, responsável pela Organização Mundial do Comércio, o comércio retrocederá entre 8% ou 9%. A crise afetou a saúde dos bancos, destruiu o sistema bancário dos Estados Unidos e comprometeu de maneira irremediável o sistema europeu, mas não se limita a este mundo. Grandes empresas, antes mesmo da crise, que eram símbolo do capitalismo, como a General Motors e a Chrysler, já apresentavam problemas seriíssimos que as comprometeram”, afirmou.
VULNERABILIDADE – Para o especialista, o Brasil é vulnerável à crise e apresenta “um desarme intelectual e político brasileiro para enfrenta-la”. Esta vulnerabilidade, explicou, vem do que chamou de “aventura especulativa” de um conjunto de empresas e exportadores brasileiros, como Sadia, Votorantin e Aracruz. “Eles lançaram mão das benéfices da compra de capital liberada e se endividaram no exterior, em dólar, em curto prazo, deixando um rombo desconhecido pelo Estado Brasileiro. Em dezembro, este era um problema seriíssimo e forçavam-se as empresas no limite a fazer um ataque especulativo contra a moeda nacional”, lembrou.
Segundo Nildo, o modelo baseado na economia exportadora, que atrofia o mercado interno e supõe a integração com um país mais desenvolvido, caiu por terra. Neste sentido, afirmou que “o grande dilema brasileiro é que, enquanto o Governo Federal busca tomar medidas de austeridade, diante de um mercado de trabalho com problemas, das pequenas e médias empresas com dificuldades e de um mercado interno atrofiado, tem uma elite empresarial que está mandando dinheiro para fora”.
Segundo Nildo, em 2004, o volume dos depósitos no exterior alcançaram 95 bilhões de dólares. Em 2008, chegou a 155 bilhões de dólares. “É impensável do ponto de vista político e econômico aceitar que, enquanto vamos impor medidas de austeridade para a grande maioria da população, que sofre com desemprego e com baixa de salários, uma parte da elite brasileira continua se protegendo em dólar, com depósitos no exterior, fruto de uma ruptura que não ocorreu do modelo que embalou a economia brasileira e que começou em 1994, o Plano Real”.
Sendo assim, Nildo disse que é preciso controlar estas remessas de lucros e dividendos porque as multinacionais americanas só recompõem suas taxas de lucro, como demonstrado nos últimos oito anos. “Elas se defenderam auferindo lucros no mercado financeiro e também pela remessa feita pela periferia, uma parte significativa - em alguns casos, esta forma foi responsável por 40% da recomposição da taxa de lucro, segundo dados do Governo do Estados Unidos. Não temos autoridade para pedir sacrifícios para o povo latino-americano, se não pusermos rígidos controles para redução de capitais e remessas de lucros e dividendos”, salientou.
INTEGRAÇÃO – Para Nildo, o Brasil precisa pensar na integração da América Latina, com uma “drástica redefinição da política externa, cedendo soberania para ganhar poder”. Só assim, disse, poderá ser protagonista no mercado mundial. Para isso, o professor afirmou que é preciso configurar novas estratégias empresarias e estatais que reconstruam o Estado depois do “pesadelo neoliberal de baixo para cima, dando legitimidade popular ao Estado latino-americano, com vontade coletiva”. Para ele, a integração deve estar no centro da política brasileira. “Precisamos de uma ‘latino-americanização’ do Itamaraty, do político brasileiro, entendendo que a integração tem que ganhar formas concretas”, disse.
Especialista defende novo sistema político para enfrentar a crise
O economista Nildo Ouriques defendeu que um novo sistema deveria ser baseado na mudança da ideologia atual adotada pelos capitalistas - que defende o livre comércio, a autorregulação do mercado, das finanças e da produção.
Publicação
26/03/2009 - 12:53
26/03/2009 - 12:53
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