“Empréstimo consignado com justiça social”
Na iniciativa privada ou no serviço público, a relação entre empregador e empregado deveria ser de foro reservado a ambos e ao fisco. Diria que a folha de pagamentos e o contracheque são sagrados. O sigilo e a intocabilidade do salário são valores éticos a preservar no contexto de uma sociedade decente.
Os descontos em folha jamais deveriam adentrar ao crédito e ao consumo, pois não fazem parte da relação trabalhista. Verifica-se hoje em dia, desde o advento da Lei 10.820 de 2003, que as Instituições Financeiras assediam acintosamente o assalariado para induzi-lo à tomada de mais e mais empréstimos. Não obstante, é um mal necessário, pois sem isso estaria o trabalhador ou aposentado à mercê da agiotagem informal e muito pior.
Outras leis estaduais e municipais proliferaram estendendo o “benefício” dos empréstimos consignados aos servidores públicos do país. É-lhes oferecido o crédito fácil e imediato, para fazer o que quiser, geralmente a juro alto que o tomador sequer sabe qual, pois só enxerga a parcela que o empregador é obrigado a lhe descontar.
Lei essa perversa que foi provavelmente gestada nos porões de algum banco mensaleiro e parida a fórceps pelos conhecidos métodos dos “lobbies” brasilienses. É a indução ao consumo exacerbado e ao endividamento crônico, do qual a maioria dos trabalhadores não mais consegue sair.
A saída oferecida é a do refinanciamento, perpetualizando a dívida e a dependência financeira escravizante. Tarifas de todo o lado, seja para contrair ou até para liquidar o empréstimo. Já o empregador pode imaginar que esteja colaborando com seus empregados para acesso ao crédito mais barato. Ledo engano. Deveria fazê-lo de forma justa negociando linhas de credito para os empregados com débito em conta corrente e paralelamente às negociações da conta da empresa ou do ente estatal.
O Crédito Consignado como está no Brasil é de uma irresponsabilidade social dramática na qual se rasgam postulados mínimos de bom senso e ética sendo em muitos casos eivado de fraudes contra o tomador mais desinformado ou ingênuo.
Não raro desconta-se em folha o produto de convênios de empréstimos, supermercado, aluguel, escola, farmácia, etc. Convênios costumam criar clientes cativos e atentam contra as regras da livre concorrência, quesito basilar para funcionamento do livre mercado. Tudo sob a geralmente falsa alegação do menor preço ou custo porque descontado na fonte.
Isso virou uma grande farra cuja conta é paga pelos assalariados mais pobres seduzidos pelo crédito fácil e desvairados pela adesão ao consumismo. É uma bomba relógio que cedo ou tarde irá explodir no colo de toda sociedade.
O recente exemplo que vem dos Estados Unidos não deixa dúvidas de para onde o crédito fácil conduz as pessoas, as instituições e todo o sistema. A bolha imobiliária que lá estourou é a conseqüência do crédito irresponsável concedido às pessoas sem capacidade de pagamento.
Por aqui, não fosse o desconto na fonte, a maioria dos consignados também não passaria pela análise de crédito ou estaria inadimplente. Diria alguém, que não há inadimplência quando o desconto é em folha como no caso brasileiro. Mais um engano. Pode não haver inadimplência naquele contrato privilegiado pelo desconto na fonte, mas o mesmo devedor com salário residual ínfimo, irá inadimplir com o outro banco, a padaria, a luz, a escola, etc., induzindo-se o efeito dominó e a inadimplência sistêmica.
Os créditos consignados tomam dimensão de bilhões, e um rumo perigoso na economia brasileira. É a bolha tupiniquim. Até o dia em que bolha estourar, e os descontos em folha tiverem de ser cancelados por força de ações populares, liminares ou coisa que o valha. Então teremos uma “tsunami” financeira para o que deveriam ficar atentos os banqueiros melhor avisados.
Mas, o mal necessário tem remédio e chama-se: monitoramento do empregador. Um bom exemplo de como monitorar, vemos no site da ParanaPrevidência www.paranaprevidencia.pr.gov.br no link de Empréstimos Consignados, acessível a qualquer cidadão.
Em âmbito maior, o Estado do Paraná, por decreto de 09/10/07 do Governador, exemplarmente iniciou um processo de moralização do sistema resgatando o imprescindível cunho social desses empréstimos, ao menos para o funcionalismo público estadual, onde pode legislar.
Reduziu drasticamente os juros máximos. Proibiu as tarifas de aprovação (TAC) e de liquidação antecipada (TLA) desses empréstimos. Reduziu a margem consignável dos salários diminuindo o grau de endividamento, etc. É um começo ousado e mais virá.
Assim o Estado vai pela via do aperfeiçoamento construindo um sistema melhor e promovendo mais justiça social. Temos esperança de ver algo semelhante ocorrendo ao nível da União, dos demais Estados, dos Municípios e até da Iniciativa Privada, a bem do trabalhador assalariado que não pode ficar só e à mercê da iniciativa de um sindicalismo míope que estas coisas não consegue enxergar.
Rubens Hering – Economista e Ouvidor da ParanaPrevidência
hering@onda.com.br