Economista recomenda medidas de redução do impacto social da crise

Reinaldo Gonçalves cita providências como controle cambial, indução do consumo e garantia dos investimentos
Publicação
10/12/2008 - 18:25
Editoria
O governo Lula está subestimando a crise e deixando de tomar medidas que deveria para reduzir os efeitos da crise mundial na economia brasileira. A avaliação é do professor de Economia Internacional do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pós-doutor em Economia pela University of Reading (Inglaterra), Reinaldo Gonçalves. Ele participou nesta quarta-feira (10), em Curitiba, do seminário internacional “Crise – Rumos e verdades”, promovido pelo Governo do Paraná, em Curitiba. De acordo com Gonçalves, há medidas de contenção de crises que foram formadas ao longo de 200 anos por especialistas e economistas, e que, em geral, não têm sido levadas em conta pelo Governo Federal. O economista destacou que esses “remédios” envolvem intervenção do Estado no aumento da liquidez do mercado, garantia de saneamento financeiro e das aplicações financeiras, estatização do sistema financeiro, controle cambial, indução do consumo e dos investimentos e redução do impacto social da crise. Em relação ao controle cambial, Gonçalves disse que o Governo Federal está fazendo intervenções leves. “Basicamente, vendeu alguns bilhões de dólares, tem explorado linhas de leilão de crédito. O nosso dinheiro está bancando o risco cambial do setor privado, ou seja, é a degradação dos fundamentos da economia via finanças públicas. Nenhuma intervenção mais robusta no mercado de câmbio. Bilhões e bilhões de dólares têm saído na forma de especulação”, afirmou. Ele disse ainda que o Brasil tem hoje um passivo externo de US$ 1 trilhão. Descontando as reservas e os investimentos produtivos, o passivo de curto prazo chega a US$ 500 bilhõess. “O Brasil tem uma absoluta desproteção em termos de passivo. Além do passivo externo, o Brasil tem um problema que é a deterioração nos fluxos externos aceleradamente”, salientou. NÚMEROS – O economista afirmou que o mundo passa por duas crises. A financeira, de natureza sistêmica, que afeta diferentes agentes, como empresas de seguros e bancos de investimentos; e a crise real, global, que é a recessão, a desaceleração do crescimento e o aumento do desemprego em vários lugares. De acordo com Gonçalves, no Brasil, todos os números e levantamentos feitos apontam que a economia brasileira vai desacelerar significativamente e ser uma das mais prejudicadas em todo mo mundo. Entre os sinais, destacou, está o que ele classificou como “desempenho medíocre” entre 2003 e 2006, quando o crescimento brasileiro foi em média 3,3%. No mesmo período, a taxa de investimento foi uma das mais baixas do mundo, 16,1%, e a de crescimento do investimento foi de 3,5% ao ano. “Desde 2006, houve aumento de investimento, que teve origem no aumento do crédito do consumo. E o investimento se expande de forma significativa. Esta expansão não é a taxa de investimento, que continua como a mais baixa do mundo”, disse. O economista explicou que esse aumento da taxa de crescimento se deve ao chamado acelerador – o capitalista investe em função do desempenho do ano anterior. “Esse acelerador faz com que, em um ano, a taxa de investimento possa crescer 20% e, em outro, caia 20%. No terceiro trimestre deste ano, essa taxa de crescimento de investimento pode ser de 20% negativo. Isso é o que vai acontecer também em todo o ano de 2009”, disse. “De 2003 para cá, a taxa de investimento do Brasil é uma das mais baixas do mundo, e é compatível com o desempenho medíocre da economia brasileira. Em 2002, a renda per capita representava 80% da mundial. Em 2006, caiu para 75%. O Brasil andou para trás. Em 2007 e 2008 houve recuperação”, analisou Gonçalves. MEDIDAS DE CONTENÇÃO – Para Gonçalves, se o sistema monetário está travado, o Estado tem que aumentar a liquidez, tem que prover créditos para o sistema, o que pode ser feito de diversas formas, como a partir da redução de depósitos compulsórios, da ampliação dos créditos públicos e das linhas de financiamento. Sobre o saneamento financeiro, o economista destacou que o Estado deve fazer a intervenção antes do “efeito dominó”. “Mas é preciso ser ágil, ter um marco regulatório jurídico eficaz. Evitar as concordadas, as falências, as condições de que os agentes possam transferir para a sociedade o ônus das práticas oportunistas é fundamental”, disse. “Se o efeito dominó estiver muito avançado, é fundamental a estatização parcial ou total do sistema financeiro, que pode ser temporária ou permanente”, salientou. Outra intervenção que o Estado deve fazer, segundo Gonçalves, é no controle cambial. “Quando tem um país frágil, como o Brasil, e há uma crise cambial, tem que ser feita a intervenção. E há dois tipos. A soft, que é quando se vende dólar no mercado, e a hard, que é através da centralização do mercado de câmbio, racionando a mercadoria escassa, que é o dólar”, afirmou. Além disso, disse, o Estado precisa dar garantias aos cidadãos sobre suas aplicações, depósitos e empréstimos. “É comum em tempos de crise que o cidadão que tem o depósito fique preocupado que o banco quebre e a riqueza acumulada em um trabalho árduo de anos desapareça de um dia para o outro. O Estado tem que dar a maior garantia possível, como fez o Governo da Alemanha, que garantiu 100% do depósito das pessoas”, comentou. Nessa mesma linha, Gonçalves destacou que o Governo Federal precisa criar políticas de expansão, como o desenvolvimento de gastos públicos e políticas monetárias que envolvam redução de juros, expansão de créditos e depósito compulsório, por exemplo. “Quando a crise transborda e tem dimensão real, cai renda, emprego e investimento. Essas são formas de puxar a economia via gastos públicos e induzir o consumo e os investimentos. São políticas salariais, monetárias, de créditos, comerciais e fiscais expansionistas”, disse. O economista afirmou ainda que o Governo Federal precisa desenvolver políticas focadas na redução do impacto social da crise, principalmente para os trabalhadores e os empresários. “São políticas como a ampliação do seguro-desemprego e de políticas assistencialistas ou refinanciamento imobiliário”, citou Gonçalves. Reinaldo Gonçalves participou da mesa “O Brasil e a Crise”, no seminário internacional “Crise – Rumos e verdades”, promovido pelo Governo do Paraná, no Canal da Música, em Curitiba. Pós-doutor em Economia pela University of Reading (Inglaterra, 1986), Gonçalves é professor titular de Economia Internacional do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) desde 1993. É livre docente em Economia Internacional também pela UFRJ (1991). Gonçalves tem mestrado em Economia pela EPGE-Fundação Getulio Vargas (FGV, 1976) e em Engenharia da Produção pela Coppe (1974), além de ser bacharel em Economia pela UFRJ (1973).

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