As empresas responsáveis pela distribuição do gás natural canalizado nos três Estados do Sul (Sulgás, SCGás e Compagas) enviaram nesta sexta-feira (19) uma correspondência à Petrobras classificando como “insensibilidade mercadológica” a proposta apresentada pela estatal de aumento no preço do gás natural importado da Bolívia. As distribuidoras acusam a Petrobras de estar, de forma unilateral, definindo percentuais de aumento que prejudicam os consumidores atuais e impedem o crescimento do mercado do gás natural no sul, que depende exclusivamente do combustível importado da Bolívia.
A correspondência das distribuidoras é uma resposta ao comunicado enviado pela Petrobras na manhã desta sexta-feira às empresas. A estatal justifica como “retirada de incentivo” um aumento de 63% no valor da commodity do gás natural (o que impactará num reajuste para as distribuidoras de cerca de 33% no preço final, que inclui commodity mais transporte). O reajuste será aplicado pela Petrobras já à partir de 1º de setembro (13%). Em 1º de novembro serão aplicados mais 10% adicionais e o restante em janeiro de 2006, quando será retirado todo o incentivo até então praticado para o gás boliviano. Na mesma correspondência, a Petrobras afirma que aplicará o reajuste também para o gás nacional, só que os percentuais caem pela metade.
“Esta ação da Petrobras mostra uma total falta de interesse com os consumidores do gás natural na região sul. Todas as justificativas para o reajuste são inaceitáveis, pois colidem diretamente com a política adotada pela própria estatal de não reajustar o preço de outros combustíveis concorrentes do gás natural”, disse o diretor-presidente da Compagas, Luiz Carlos Meinert. Na carta, as três distribuidoras também afirmam que a atitude vai agravar as diferenças entre as empresas brasileiras que utilizam o gás natural boliviano e o nacional. “É igualmente inaceitável o agravamento das diferenças regionais ora existentes de cerca de 7% (..) para cerca de 36%. Entendemos que o preço do gás no Sul deveria ser igual ao praticado no Nordeste.”, diz a correspondência.
As empresas reforçaram a acusação de que a Petrobras nunca esteve preocupada em incentivar o mercado do gás natural importado no Brasil, lembrando que a atual política de preço teto, que a estatal quer cancelar, só foi possível graças à ação conjunta dos três governadores do sul junto à Presidência da República e ao Ministério das Minas e Energia em março de 2003. “Todas as vitórias que conseguimos até agora foram garantidas depois de muito esforço junto ao governo. Não podemos dizer que houve boa vontade na negociação por parte da Petrobras”, afirmou Meinert
Não é a primeira vez, no último mês, que a Petrobras ameaça subir o preço do gás natural importado da Bolívia. A Compagas e as demais distribuidoras do sul têm trabalhado ativamente para evitar o reajuste. No dia 26 de julho, a estatal comunicou o aumento às distribuidoras. Dois dias depois, a Compagas enviou uma correspondência à gerência de comercialização de Gás Natural da Petrobras repudiando a intenção comunicada pela Petrobras de aumentar o preço do combustível importado da Bolívia e vendido para as distribuidoras brasileiras, e não aceitando justificativas apresentadas na época como a crise política da Bolívia, ocorrida em junho. A Petrobras voltou atrás na decisão.
No dia 2 de agosto, as três distribuidoras do sul se reuniram em Curitiba para discutir com a Petrobras se haveria um reajuste e a forma como ele seria feito. A estatal se comprometeu a só alterar o preço do gás natural após um consenso com as distribuidoras. Mas não foi o que aconteceu. Neste dia 19 de agosto, em mais uma decisão unilateral, a Petrobas enviou outra correspondência, comunicando o aumento no preço do gás natural. “Não concordamos com isso. Só aceitamos negociar um mecanismo de reajuste se não for como este apresentado agora, que vai provocar uma desestabilização irreversível do mercado consumidor de gás natural”, afirmou o presidente da Compagas.
Mercado do gás natural no Sul:
* referente a julho de 2005
COMPAGAS
TOTAL (por segmento)
Clientes Nº de Clientes m³/dia Participação
Industrial 83 419.578,88 58,17%
Cogeração 2 142.135,61 19,71%
Residencial 1016 1.189,93 0,16%
Comercial 55 3.208,62 0,44%
GNV 17 64.778,17 8,98%
Matéria-Prima 1 90.422,71 12,54%
Total 1174 721.313,92 100,00%
Pico de vendas em 11/08/05 - 925.000 m³/dia
SCGÁS
TOTAL (por segmento)
Clientes Nº de Clientes m³/dia Participação
Industrial 104 1.090.796 83,02%
Cogeração 0 0,00 0,00%
Residencial 1 10,00 0,00%
Comercial 26 3.980,00 0,30%
GNV 42 219.125,00 16,68%
Matéria-Prima 0 0,00 0,00%
Total 173 1.313.911,00 100,00%
SULGÁS
TOTAL (por segmento)
Clientes Nº de Clientes m³/dia Participação
Industrial 72 928.000 83,48%
Cogeração 2 18.000,00 1,62%
Residencial 0 0,00 0,00%
Comercial 6 10.400,00 0,94%
GNV 24 150.500,00 13,54%
GN COMPRIMIDO* 2 4.800,00 0,43%
Total 106 1.111.700,00 100,00%
* EM 2 POSTOS
A seguir, a íntegra da correspondência enviada pelas distribuidoras do sul à Petrobras:
Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba, 19 de agosto de 2.005.
Dr. Luiz Antonio Costa Pereira
Gerente Geral de Comercialização de Gás Natural
Petrobras Petróleo Brasileiro SA - PETROBRAS
Av. Almirante Barroso, 61
20031-004 – Rio de Janeiro/RJ
Cancelamento do preço-teto do gás natural importado
Prezado Senhor,
Acusamos o recebimento de sua carta GE-MC/CGN – 21/05 e fazemos referência às reuniões do dia 2 de agosto de 2.005, realizada em Curitiba, e do dia 16 de agosto de 2.005, realizada em São Paulo.
A proposta apresentada pela Petrobras significa a imposição unilateral de um aumento de 63% no valor da commodity do gás natural (o que implicará num aumento, para as distribuidoras de 33% no preço final do produto) entre agosto de 2005 e janeiro de 2006. Consideramos este aumento inaceitável. Apropriar, em tão curto espaço de tempo, a alta sagaz do preço do petróleo no mercado spot internacional não será aceito por nossos clientes/consumidores, que se constituem como tais, num incipiente mercado em formação.
Não podemos concordar com tal insensibilidade mercadológica por conta dos erros estratégicos no planejamento da oferta desse energético e, muito menos, de que se trata de uma conseqüência da nova Lei dos Hidrocarbonetos da Bolívia, a qual não teria influência sobre o preço praticado pela Petrobras, como declarado por seus executivos em maio deste ano.
A Petrobras está acompanhando integralmente a escalada abrupta dos preços do petróleo internacional, o que é flagrantemente incompatível com o atual cenário de uma economia de preços estáveis e a necessidade de incremento da produtividade e competitividade da produção nacional.
Cabe lembrar que estamos falando de uma commodity regional, que dificilmente poderia ser transportada a mercados longínquos regidos pela flutuação do preço internacional do petróleo, pois isso colide frontalmente com a política adotada pela Petrobras de não reajustar o preço de outros combustíveis concorrentes ao gás natural, como é o caso dos óleos combustíveis, da gasolina e do GLP, até que haja uma definição clara de rumo nas cotações do barril de petróleo.
Lembramos, também, que a adoção da política de preço teto atualmente praticada é fruto de uma ação conjunta dos três governadores dos Estados do Sul junto à Presidência da República e à então Ministra das Minas e Energia em março de 2.003.
É igualmente inaceitável o agravamento das diferenças regionais ora existentes de cerca de 7%, propiciado pela aplicação de percentuais de aumento 100% superiores para o gás natural importado, nos meses de setembro e novembro, e pelo provável aumento de janeiro que contempla tão somente o gás boliviano, em flagrante prejuízo da competitividade das empresas consumidoras do Sul. Tais medidas devem elevar nossa desvantagem para cerca de 36%. Entendemos que o preço do gás no Sul deveria ser igual ao praticado no Nordeste. Ademais, ao pretender refletir situações possivelmente conjunturais, a Petrobras parece ter abandonado a idéia de net-back, que implica em considerar o estabelecimento de preços FOB com base na competitividade do gás nos mercados consumidores.
As Companhias do Sul se propõem negociar, de forma bi-lateral, mecanismos de reajuste que não provoquem uma desestabilização irreversível no mercado consumidor de gás natural, que não agravem ainda mais as diferenças regionais, e que possam, financeiramente, compensar a Petrobras por eventuais perdas que venha comprovadamente a ter ao longo do período de transição entre o preço ora praticado e o preço contratual, como sugerido na última reunião.
O gráfico anexo, que complementa as informações e sugestões apresentadas em nossa última reunião, ilustra os desejados efeitos da transição proposta, com a adoção, por exemplo, de uma conta gráfica que, de um lado, propicia o retorno econômico ao preço contratual, mas, de outro, posterga no tempo os seus efeitos financeiros. Desta forma, temporiza-se a alteração dos patamares de preço em prazos compatíveis com a capacidade de absorção do mercado e a comprovação de que os novos níveis de preço sejam estruturais e não conjunturais, como já indicado pela Petrobras.
Atenciosamente
SULGÁS – Companhia de Gás do Rio Grande do Sul
SCGÁS – Companhia de Gás de Santa Catarina
COMPAGAS – Companhia Paranaense de Gás
C.C.: Dr. Ildo Sauer
Diretor de Gás & Energia
Dr. Rogério Manso
Gerente Executivo de Marketing e Comercialização – Gás & Energia
Dra. Luciana Rachid
Conselheira da Compagas
ANEXOS
CRONOLOGIA DOS EVENTOS RELATIVOS AO PREÇO DO GÁS BOLIVIANO.
Março de 2003: Os governadores da Região Sul conseguiram, junto ao Presidente Lula e à Ministra Dilma, estancar o aumento de 14% do preço da commodity. Na época o gás boliviano (commodity + transporte) estava 60% mais caro que o gás nacional (commodity + transporte).
Abril de 2003: A Petrobras comunicou a decisão de congelar o preço da commodity do gás boliviano.
Dezembro de 2003: O Diretor Presidente da Petrobras anunciou para o país a adoção de uma política de preços incentivados para a massificação do uso do gás natural.
Dezembro de 2004: Após diversas discussões, a Compagas concordou com o teor da minuta do Termo Aditivo nº 3 (gás incentivado) proposta pela Petrobras, porém a própria Petrobras desistiu de assinar.
Maio de 2005: O jornal O Globo divulga declarações de executivo da Petrobras informando que a nova Lei de Hidrocarbonetos da Bolívia não afetaria o preço do gás praticado pela Petrobras. O Jornal do Commercio divulga entrevista com o Diretor da Área Internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, garantindo que os preços de venda do produto para o Brasil continuariam os mesmos, e que, o impacto da nova lei ficaria restrito aos produtores de gás na Bolívia, que teriam sua rentabilidade reduzida.
Julho de 2005: Carta da Petrobras (GE-MC 16/05) de 26 de julho informando que já a partir de 01 de agosto a commodity teria um aumento da ordem de 27%, em outubro 19%, e em janeiro outro reajuste estimado em 8%, o que resultaria um reajuste acumulado superior a 60%, e retornaria a praticar os preços do contrato.
Julho de 2005: Compagas repudia o aumento informado pela Petrobras, através de carta para a Gerência Geral de Comercialização de Gás Natural da Petrobras e de “realease” para imprensa. A imprensa deu grande destaque ao repúdio da Compagas.
Agosto de 2005: Petrobras anuncia o cancelamento do aumento, informando às concessionárias que estudaria uma proposta alternativa.
Agosto de 2005: Em reunião realizada em Curitiba, ficou definido que as empresas estudariam em conjunto a formatação de uma nova proposta
Agosto de 2005: Petrobras, em reunião com as concessionárias em São Paulo, informa que o aumento aplicado a commodity será de 25% em setembro, de 17% em novembro e de aproximadamente 11% em janeiro, retornando às condições do contrato.
Setembro de 2005: O preço de compra da commodity será de US$ 2,3212/MMBTU. Caso a Petrobras tivesse honrado o compromisso do gás incentivado o preço seria de US$ 1,7322/MMBTU.
Novembro de 2005: O preço de compra projetado da commodity será de US$ 2,7219/MMBTU. Caso a Petrobras tivesse honrado o compromisso do gás incentivado o preço seria de US$ 1,7291/MMBTU
Janeiro de 2006: O preço de compra da commodity é estimado em US$ 3,0104/MMBTU. Caso a Petrobras tivesse honrado o compromisso do gás incentivado o preço seria da ordem de U$ 1,8467/MMBTU.
Janeiro de 2008: O preço de compra da commodity é estimado em US$ 3,3269/MMBTU. Caso a Petrobras tivesse honrado o compromisso do gás incentivado o preço seria da ordem de US$ 1,5833/MMBTU.