Ante uma crise econômica “estrutural, prolongada e não-linear”, o Brasil precisa reagir com decisões estratégicas que modifiquem sua estrutura produtiva e sua inserção no mundo, disse nesta sexta-feira (5) o cientista político César Benjamin. “As decisões que tomarmos agora vão definir o país que seremos pelas próximas décadas”, alertou, no seminário “Crise – Desafios e Estratégias”, realizada pelo Governo do Paraná no Canal da Música, em Curitiba.
“Em 1930, em resposta à crise de 29, alteramos nossa base produtiva, respondemos com o início da industrialização brasileira. Já em 1981, na crise da dívida externa nos ajustamos à demanda por pagamentos, e abrimos a década perdida, da hiperinflação, cujos reflexos vemos ainda hoje”, lembrou Benjamin, acadêmico e pesquisador do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), autor de trabalhos nas áreas de política ambiental e economia.
“É fundamental identificarmos as decisões estratégicas que teremos de tomar para mudar nossa base produtiva, nossa inserção internacional. O comércio externo voltou a ser basicamente de produtos primários, de commodities, devido à queda das exportações industriais. Temos que discutir o câmbio sobrevalorizado, as oportunidades do pré-sal, a questão amazônica. São essas decisões que dirão o que seremos daqui a décadas.”
CONTROVÉRSIAS DA CRISE – “A crise está em curso, de modo que não temos distanciamento histórico pra criar consenso sobre ela. Por isso, há três questões que seguem controversas – a crise é apenas financeira? De que forma ela irá afetar a singular posição dos Estados Unidos no mundo? E qual a extensão da crise no mundo, qual o tamanho da contração econômica que ela irá causar?”, perguntou o cientista político, na abertura de mesa de debates de que participam os economistas Carlos Lessa – ex-presidente do BNDES e ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) –, Reinaldo Gonçalves e Murillo Cruz.
“Acredito que esta crise vai além do financeiro. Se fosse simplesmente uma crise financeira, algumas operações equacionariam o problema e permitiriam o relançamento da economia. Para mim, essa é uma visão simplista. A meu ver, a crise atinge fortemente um modelo de economia capitalista que surgiu nos anos 1970 e 80, com grandes concentrações de riqueza em fundos de investimentos que, desregulamentados, obtiveram grande liberdade de movimentação, o que gerou a bolha de derivativos”, argumentou Benjamin.
“Isso gerou uma forte influência sobre a gestão da economia real. O capitalista típico dos EUA, hoje, é um gestor de recursos líquidos, que gerencia carteiras com centenas de aplicações simultâneas, buscando lucros imediatos, e é julgado trimestralmente por isso”, disse. “A grande empresa típica dos EUA tem ações em bolsa. Assim, gestores compram e abandonam empresas com muita rapidez, até porque suas remunerações são definidas, em grande parte, pelas ações que administram. Isso fragilizou as empresas norte-americanas. Decisões de longo prazo tenderam a ser adiadas por gestores que tinham de prestar contas de rentabilidade imediata.”
“Um exemplo – o acionista majoritário da GM, tempos atrás, tinha não mais de 4% das ações. Ou seja – a direção da empresa era alterada sucessivamente por compras e recompras de papeis”, disse Benjamin. “Isso mostra a dimensão profunda da crise, pois atinge a forma de organização do capitalismo vendida até outrora como o supra-sumo da modernidade. Aqui mesmo, no Brasil, namoramos com uma gestão dessas na Petrobras, que se quis transformar em Petrobrax, que foi tratada como um grande dinossauro por não ter ações pulverizadas em bolsas de valores”, lembrou.
DONOS DO DINHEIRO – “Os EUA são detentores da moeda mundial. Tudo o que os EUA importam é pago na própria moeda do país, o que lhes dá uma gigantesca diferença em relação a outros países”, explicou Benjamin, ao tratar do impacto da crise sobre a maior economia do globo. “A dívida externa dos EUA está expressa na própria moeda deles, e juros são definidos por eles. Isso criou uma economia forte e crescentemente deficitária, e um sistema de endividamentos superpostos, das famílias aos estados e à federação. Ele só pode acontecer numa economia que emite a moeda mundial, e a tradução disso é que a sociedade dos EUA vive acima dos seus próprios recursos.”
“Logo, o ajuste necessário, por conta da crise, implica em cortar na carne. Ele já começou, e está sendo gigantesco. Participantes de fundos de pensão estão com aposentadorias comprometidas. A crise banalizou o trilhão, pois vimos perdas de trilhões de dólares, seguidas da emissões de outros trilhões, do aporte desses outros trilhões em bancos, em empresas, o que mostra o tamanho da bolha de ativos líquidos.”
“Até hoje, o endividamento dos EUA tem sido o pólo do crescimento mundial, pois eles emitem moeda, se endividam e consomem. A China, por outro lado, produz, recebe dólares e compra títulos dos EUA. Esse mecanismo atingiu seu limite. Como se comportará o mundo com a perda de capacidade de consumo dos EUA?”, questionou Benjamin.
IMPACTOS NO BRASIL – “A China tem feito grande esforço para descolar sua economia da dos EUA. A China está reagindo, e tem a meu ver grande diferencial em relação ao Brasil – um Estado operante, uma burocracia pública capaz de operar com grande eficiência”, argumentou. “A China já se tornou o principal parceiro comercial do Brasil, mas quer comprar apenas commodities. Donde chegamos ao Brasil – como estamos reagindo?”, peguntou.
“Tivemos uma queda significativa na produção, e por conta disso não houve crise cambial. Conseguimos manter um saldo comercial positivo, e não tivemos crise financeira. Dependendo do lado que olharmos, vemos elementos positivos ou negativos. Mas não basta discutir aspectos quantitativos, PIB, balança comercial. É essencial ver os caminhos que tomaremos ante a crise.”
Decisões sobre a crise vão moldar o Brasil do futuro, diz César Benjamin
É fundamental identificarmos as decisões estratégicas que teremos de tomar para mudar nossa base produtiva, nossa inserção internacional, diz cientista político da UERJ
Publicação
05/06/2009 - 17:00
05/06/2009 - 17:00
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