Debate sobre a Constituição alerta sobre falta de participação popular


Evento foi realizado pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes) em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
Publicação
19/11/2008 - 18:00
Editoria
A falta de participação popular e de clareza em estabelecer como as leis constitucionais devem ser interpretadas pelo Supremo Tribunal Federal são considerados os maiores desafios para a sociedade em relação à Constituição Federal de 1988. A conclusão é do debate “20 anos da Constituição Brasileira - Política Social e Desenvolvimento”, realizado pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes) em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O evento contou com a participação do procurador-geral do Estado, Carlos Frederico Marés; da pesquisadora do Ipea, Luciana de Barros Jaccoud; da diretora do Setor de Ciências Humanas e Artes da UFPR, Maria Tarcisa Bega; e do diretor-presidente do Instituto de Terras, Cartografia e Geociências, José Antonio Peres Gediel. INTERPRETAÇÕES - Marés e Gediel fizeram duras críticas às interpretações da Constituição feitas por juristas. Eles destacam que vários pontos da Constituição necessitam de interpretação e regulamentação. Para eles, nenhuma interpretação consegue ser imparcial e acaba sendo ideológica. “A Constituição tem que ser interpretada e quando isso acontece é marcada por uma postura ideológica. Falar em reforma da Constituição é um risco. Devemos pensar em como queremos que se cumpram as interpretações da Constituição”, afirmou Marés. Ele citou como exemplo uma Lei Constitucional que estabelece o percentual de juro máximo no Brasil ao teto de 12% ao ano, incluindo-se todas as taxas que incidam sobre isso. A taxa de juros anuais no Brasil tem sido superior a 100% ao ano. O que acontece é que, no entendimento do STF, essa regra constitucional só é válida se houver uma Lei Complementar que assim a afirme, o que, para Marés, é um sinal claro de decisão política quanto à interpretação. O procurador defende que os cargos de ministros do Supremo Tribunal Federal sejam temporários e não vitalícios como é hoje. “Toda democracia deu poder aos tribunais, mas com mandatos. Manter os cargos como vitalícios é uma grande mazela”, apontou Marés. O diretor-presidente do Instituto de Terras, Cartografia e Geociências, José Antonio Peres Gediel alertou para o risco de retrocesso sobre as conquistas da Constituição. Ele lembrou o grande número de emendas que foram aprovadas, principalmente durante a onda neoliberal, que permeou o país na década de 90. “O neoliberalismo pregava o Estado mínimo, no qual obrigações essenciais que a Constituição colocou como sendo do Estado passaram a ser vinculadas à disponibilidade de recursos orçamentários. Quando se trata de reforma agrária, haveria isenção ideológica para a demarcação de terras sem recursos orçamentários?”, provocou Gediel. Ele também questiona quanto à imparcialidade na hora de juristas decidirem sobre direitos fundamentais. “Quando existem dois ou mais direitos fundamentais que estão sendo questionados, as decisões acabam sendo políticas. Se os direitos são fundamentais, não se deve discutir aquilo que é inalienável”, criticou. Outro risco de retrocesso, para Marés, acontece quando o Supremo Tribunal Federal produz súmulas vinculantes - decisões que devem ser seguidas por tribunais de instâncias inferiores. “Ele, o STF, está criando leis, o que contraria a Constituição Federal”. PARTICIPAÇÃO POPULAR – Gediel citou a falta de participação popular em decisões que afetam toda a sociedade. Para ele, as audiências públicas feitas durante a elaboração das Leis de Diretrizes Orçamentárias, ou Planos Diretores, por exemplo, apenas cumprem uma exigência formal e perdem profundidade e efetividade de participação popular. “No momento em que vivemos a participação popular é inferiorizada. Precisamos exigir regulamentação e retomar sentidos que são tomados em vias inversas. Não podemos negociar conquistas já garantidas”, preconizou Gediel. A professora Tarcisa concorda que a falta de participação popular nas regulamentações tem produzido graves conseqüências. Para ela, exemplos emblemáticos dessa situação foram o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). “Todas essas conquistas são fruto dos movimentos sociais da época. A falta de participação popular acarreta em verdadeiros “Franksteins” como é o caso da LDB de 2009”, alertou Tarcisa. SEGURIDADE SOCIAL – A pesquisadora do Ipea, Luciana Jaccoud, comentou sobre as mudanças na proteção social brasileira ocorridas a partir da Constituição de 1988. Ela destacou a Seguridade Social, como sistema básico de proteção, articulando e integrando as políticas de seguro social, assistência social e saúde. Em relação à sáude, Luciana considera muito importante o reconhecimento da obrigação do Estado em prestar serviços de saúde de forma universal, pública e gratuita, em todos os níveis de complexidade, por meio da instituição do Sistema Único de Saúde – SUS. “A Constituição de 1988 determinou significativas mudanças na proteção social brasileira, como o reconhecimento da assistência social como política pública, instituindo o direito de acesso a serviços por parte de populações necessitadas, e direito a uma renda de solidariedade por parte de idosos e portadores de deficiência em situação de extrema pobreza”, complementou Luciana. Ela citou ainda o estabelecimento do salário-mínimo como valor mínimo e garantia de irredutibilidade dos benefícios; a extensão dos direitos previdenciários rurais com redução do limite de idade, inclusão do direito à trabalhadora rural, o reconhecimento do direito à aposentadoria apoiado em uma transferência de solidariedade ao trabalhador familiar; o reconhecimento do seguro desemprego como direito social do trabalhador a uma provisão temporária de renda em situação de perda circunstancial de emprego. Na interpretação de Luciana, o Estado ampliou garantias legais de proteção social que implicaram em significativa expansão da responsabilidade pública em face de vários problemas cujo enfrentamento se dava, parcial ou integralmente, no espaço privado. “A intervenção estatal, regulamentada pelas leis complementares que normatizaram as determinações constitucionais, passou a referir-se a um terreno mais vasto da vida social, tanto com objetivos de equalizar o acesso a oportunidades, como de enfrentar condições de destituição de direitos, riscos sociais e pobreza”, comentou Luciana.

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