Curitiba isolada: não às “concessões” de rodovias
As aspas no título acima se devem ao desvio do conceito de concessão que se instalou no Brasil. Em alguns países as concessões rodoviárias oferecem ao usuário uma nova estrada, alternativa à pública existente, de maneira que aqueles que preferem (e podem) pagar por uma via expressa detêm o direito de optar. Em nosso país entendeu-se como concessão a transferência do patrimônio público rodoviário para a iniciativa privada, que passou a explorá-lo mediante a cobrança de pedágio, criando-se assim um sistema que gera fabulosa receita a um grupo restrito de empreiteiras.
Essa “criativa” modalidade de exploração do bem público reina sob o argumento de que faltam ao setor público os recursos necessários para gerenciar a rede rodoviária, em que pese a alta carga de contribuições e impostos sobre o setor de transportes. A contradição é que no Estado do Paraná, por exemplo, em 1997 a maioria das concessionárias rodoviárias financiou 70% dos seus investimentos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, tornando-se, portanto, intermediárias de recursos públicos.
Dentre a miscelânea de impostos, taxas e tarifas típicas de uma legislação tributária mal concebida e mal remendada, existe a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE, embutida no preço dos combustíveis e criada, dentre outras finalidades, para destinar recursos à manutenção da infraestrutura de transportes do país. Segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal - SIAFI, entre janeiro de 2002 e dezembro de 2005 a CIDE rendeu R$ 31,5 bilhões dos quais apenas R$ 5,4 bilhões foram aplicados na infraestrutura de transportes. Os R$ 26,1 bilhões restantes destinaram-se a formar o superávit primário e pagar despesas gerais dos ministérios, salários e indenizações do governo federal.
Pretende agora o Governo Federal, através da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, implantar a cobrança de pedágio em duas importantes rodovias que cruzam o Paraná: a BR-116 (Curitiba – Divisas SC e SP) e a BR-476 (Curitiba – Divisa SP). Dentre as graves conseqüências dessa pretensão, desde já é imperioso ressaltar que a cidade de Curitiba tornar-se-á “refém” do pedágio, uma vez que os principais acessos rumo ao Norte, Leste, Sul e Oeste estarão cercados por praças de cobrança.
A imprensa local já registrou manifestações contrárias de várias autoridades e lideranças do Paraná, especialmente no que se refere às praças a serem implantadas na BR-116 antes da entrada para a Estrada da Graciosa e na BR-376 antes da entrada de Tijucas do Sul. Essas reações ainda são tímidas em relação à proporção dos problemas futuros, na medida em que o deslocamento de pessoas e bens da capital e região metropolitana dependerá da satisfação de grupos empresariais privados.
Além de outros inconvenientes das “concessões” brasileiras, esse sistema apresenta um alto custo de arrecadação, ou seja, a implantação e manutenção das estruturas das praças de pedágio consomem mais de 15% da receita gerada. O lucro das concessionárias e as despesas com imposto de renda e administração consomem mais 55% dessa receita, restando apenas 30% para investimentos em conservação, operação e obras como benefício direto ao usuário. Ora, como pode ser socialmente viável um sistema que para existir consome 70% do que arrecada?
Estudos patrocinados pelas Nações Unidas indicam que para arrecadar um imposto ou contribuição como a CIDE gasta-se cerca de 1% da receita, enquanto para arrecadar o pedágio gastam-se mais de 15% da receita. Portanto, a CIDE além de ser um “pedágio” altamente eficiente, dado seu baixíssimo custo de arrecadação, também estabelece uma relação justa entre o consumidor de combustível e o uso das rodovias, pois quanto mais um veículo consome combustíveis, mais desgasta (usa) o pavimento e, conseqüentemente, mais contribui para a manutenção das vias públicas.
O Governo Federal pretende insistir no erro ao propor a “concessão” de mais rodovias públicas para a exploração privada. Ao invés disso poderia aplicar os recursos da CIDE para conservar as estradas e, onde socialmente viável, implantar um pedágio de manutenção explorado diretamente pelo Estado, evitando assim que o usuário pague pelos impostos e lucros das concessionárias. Os recursos da CIDE, desde que aplicados com seriedade, são suficientes para recuperar e manter todas as rodovias do Brasil. Esse equívoco dos governantes está causando enorme prejuízo ao país, pois o pedágio onera o transporte e o preço dos produtos brasileiros, servindo muito mais para o enriquecimento e a concentração de renda de um restrito grupo de empresas do que à sociedade que o alimenta.
Rogério Wallbach Tizzot
Ex-coordenador do Programa de Reforma da Conservação Rodoviária (Nações Unidas e Governo da Alemanha), diretor-geral do DER do Paraná e vice-presidente Região Sul da ABDER (Associação Brasileira dos Departamentos de Estradas de Rodagem)
Data: 26/03/06 - “Curitiba isolada: não às concessões de rodovias” - Artigo assinado por Rogério Wallbach Tizzot
Artigo assinado pelo diretor-geral do DER do Paraná e vice-presidente Região Sul da ABDER (Associação Brasileira dos Departamentos de Estradas de Rodagem) Rogério Wallbach Tizzot
Publicação
25/03/2006 - 06:00
25/03/2006 - 06:00
Editoria