Data: 22/10/2007 - “Sobre o pedágio, dez anos depois” - Artigo assinado por Péricles de Holleben Mello, ex-prefeito de Ponta Grossa e deputado estadual

Texto assinado pelo ex-prefeito de Ponta Grossa e deputado estadual Péricles de Holleben Mello
Publicação
22/10/2007 - 16:44
Editoria
O governo Lerner implantou o pedágio nas estradas de rodagem do Paraná. Não pretendo aqui fazer uma discussão conceitual sobre o pedágio, que envolve muitos aspectos, inclusive a opção por privilegiar o transporte rodoviário e, em especial, os automóveis particulares. Trata-se de um debate de dimensão mundial, com implicações econômicas, sociais, tecnológicas, ambientais e culturais. O fato é que o pedágio foi implantado e, antes mesmo que os contratos com as concessionárias tivessem sido assinados, a pequena oposição da época (alguns deputados do PMDB, outros do PT, entre os quais eu mesmo) denunciou-os como lesivos ao patrimônio público e demonstrou que as tarifas a serem cobradas eram extorsivas. Na campanha para governador do Estado, nós, que apoiávamos a candidatura de Roberto Requião, registramos em cartório um documento histórico. O governador Jaime Lerner, protagonista dos contratos, baixara as tarifas durante a campanha. Nós prevíamos que, passada a eleição, as concessionárias obteriam na Justiça a volta e mesmo o aumento das antigas tarifas, calçadas que estavam em contratos redigidos com maestria formal, embora lesivos ao interesse público. Eu me permito concluir que o problema maior não estava nessa medida eleitoreira de baixar as tarifas, mas nas próprias bases da política que instituiu o pedágio no Paraná. Nos últimos dez anos, várias ações foram movidas contra o pedágio, todas elas derrotadas, devido em parte à lisura formal dos contratos, mas em grande parte também à ausência de parâmetros, de elementos de comparação, que permitissem uma compreensão clara da natureza desses contratos. Nós sempre afirmamos que esses contratos eram lesivos ao interesse público e que as tarifas cobradas eram extorsivas. Hoje, a partir do leilão realizado pelo governo federal, temos elementos ainda mais concretos para reafirmar essas convicções. Vejamos. O preço médio da tarifa nas estradas a serem pedagiadas a partir do leilão do governo federal é de R$ 0,02 (dois centavos) o quilômetro, ao passo que nas estradas pedagiadas do Paraná pelos contratos já citados o preço é de R$ 0,12 (doze centavos). Quem vai de Curitiba a Florianópolis (300 quilômetros) vai pagar R$ 5,14, ao passo que hoje a tarifa para ir de Curitiba a Matinhos (100 quilômetros) é de R$ 10,90, e de Curitiba a Ponta Grossa (101 quilômetros), R$ 11,70. Os exemplos podem se repetir à exaustão, mas mostram todos a mesma realidade: o pedágio do Paraná é seis vezes mais caro que o pedágio federal. Há diferenças nos contratos. O governo federal dispensou o pagamento de outorga, ou seja, as concessionárias vencedoras do leilão não estão obrigadas a contrapartidas como a manutenção de outras estradas não pedagiadas. Mas podemos perguntar quanto isso vale? No Paraná, não tivemos ainda condições de descobrir. O resultado dessa diferença é que a taxa de retorno definida pelo leilão federal é inferior a 10% (acabou ficando em 8,95%), enquanto no Paraná vai de 17 a 24%. E o preço da tarifa é seis vezes maior aqui. Dois sistemas tão díspares não podem conviver harmoniosamente. Acredito firmemente que o leilão federal pode abrir os olhos de muitos que ainda não haviam se convencido da nocividade do pedágio paranaense. Um instrumento importante para isso é a Comissão Especial de Investigação sobre o Pedágio da Assembléia Legislativa do Paraná. A CEI, da qual faço parte, está hoje em condições de trazer os técnicos que estudaram a viabilidade do pedágio federal, os procuradores do Tribunal de Contas da União que estudaram o sistema de cobrança do pedágio, e, a partir daí, estabelecer comparações, confrontar as duas situações. Precisamos igualmente contratar técnicos que estudem em profundidade o programa de concessão das rodovias do Paraná. Até agora, nada me fez mudar de idéia sobre esse assunto. Os contratos feitos pelo governo do Paraná (governo Lerner, bem entendido) com as concessionárias simulam uma concorrência, quando na verdade houve um acordo entre as empreiteiras para dividir os lotes ofertados. As obras foram superfaturadas, como denunciei ainda em 1998 (um dos dados que mais chamaram minha atenção foi o custo de uma única praça de pedágio: R$ 4 milhões!), e o resultado de tudo isso são as tarifas absurdas que penalizam todos os paranaenses. Esses contratos devem ser analisados com rigor, e a conseqüência será, certamente, uma diminuição significativa das tarifas, o que é reclamado por todas as forças políticas, numa demonstração de que o Paraná, como um todo, repudia o abuso. Devemos ser realistas e admitir que, no atual momento, face às dificuldades que enfrentamos e à necessidade de melhorar nossa infra-estrutura para propiciar condições ao crescimento econômico, não podemos dispensar o investimento privado nas rodovias brasileiras e, portanto, o pedágio. Mas devemos também manter a integridade e a defesa do patrimônio público, exigindo transparência nos contratos, fiscalização dos governos e controle social sobre a gestão das nossas rodovias. *Péricles de Holleben Mello é deputado estadual (PT) e foi prefeito de Ponta Grossa