Íntegra do discurso do governador Roberto Requião
Alteza imperial, príncipe herdeiro Naruhito, representante da família real do Japão nas comemorações do Centenário da Imigração.
(citação de outras autoridades, segundo relação do Cerimonial)
Príncipe Naruhito, bem-vindo ao Paraná. A presença de Vossa Alteza nesta celebração engrandece as comemorações do Centenário da Imigração Japonesa ao Brasil e atesta a importância que os nossos povos dão à data. O encontro de cem anos atrás marcou para sempre as nossas vidas, as nossas histórias.
Paranaenses.
É com grande alegria que o Governo do Paraná associa-se às comemorações do primeiro centenário da imigração japonesa ao nosso país. Afinal, o nosso estado desempenhou um papel central nessa história, desde a chegada dos primeiros imigrantes aos dias que correm. Aqui, no nosso Paraná, os japoneses construíram a sua segunda maior colônia no Brasil.
Na verdade, a história da imigração japonesa no Paraná corre paralela e confunde-se com a própria história da conquista, desbravamento e colonização de vastas regiões de nosso território, como o Norte e o Noroeste do Estado, onde, preferencialmente, os japoneses se instalaram.
De fato, Jacarezinho, a cidade mais antiga da região Norte do Estado, tinha apenas algumas poucas casas quando o Kasato Maru aportou em Santos.
Rolândia, onde estamos e iniciamos essas comemorações, tem hoje 74 anos. Quer dizer, os imigrantes e seus primeiros descendentes tiveram uma importante participação no surgimento desse cordão de cidades que vai da fronteira Norte com São Paulo ao extremo Noroeste, e onde hoje se concentram mais de 30 por cento dos paranaenses. Sendo que algumas dessas cidades, como Uraí e Assaí, surgem como cidades essencialmente japonesas.
Com a colonização das regiões Norte, Noroeste e Oeste, onde também vamos localizar a presença de imigrantes japoneses, amplia-se e completa-se a conquista do território paranaense, estendem-se e esgotam-se as fronteiras agrícolas, muda-se o perfil de nossa economia, acelera-se o processo de urbanização. Enfim, nasce o Paraná moderno.
Como se vê, os japoneses chegam ao Paraná em um momento crucial de nossa história, quando começamos a sacudir as peias do oligarquismo e a deixar a clássica economia dos ciclos extrativistas, para ingressar no agitado, intenso e transformador século 20.
E os japoneses vieram para participar, atuar nesse processo de mudança do perfil econômico e social paranaense. Foi na encruzilhada de nossa história que se deu o nosso encontro.
Príncipe Naruhito, senhoras, senhores.
Toda marcha migratória, forçada ou não, é uma violência. O desenraizamento é uma violência. Deixar a terra ancestral, usos e costumes construídos em séculos, deixar para trás familiares, amigos, vizinhos, é uma violência. Apenas a pressão extrema dos acontecimentos, quer econômicos, sociais ou políticos, justifica a decisão de abandonar o local de origem, submeter-se à dureza da separação, da distância, da saudade.
Se neste Novo Mundo, nesta América somos todos imigrantes e apenas 400 anos separam a vinda dos primeiros portugueses da chegada dos japoneses, acredito que uma das mais complexas das imigrações tenha sido exatamente a de seu povo, príncipe Naruhito.
Excetuando, é claro, o crime de lesa-humanidade que foi a imigração forçada de nossos irmãos negros. Um crime para sempre sinetado em nossa história.
Procedentes da Europa, portugueses, espanhóis constroem aqui um mundo à sua semelhança. Na seqüência, italianos, alemães, poloneses, ucranianos adaptam-se a uma realidade de certa forma “européia”. Não se registra, portanto, um choque cultural tão intenso.
Os japoneses, no entanto, transportam-se a uma realidade absolutamente diversa da que viviam. A mudança é radical, alucinante. A primeira exigência para quem embarcasse no Kasato Maru, por exemplo, é que vestisse trajes ocidentais. Grande parte dos embarcados fazia isso pela primeira vez. São comoventes aquelas fotos em preto-e-branco dos primeiros imigrantes, todos visivelmente pouco à vontade em ternos e gravatas, em saias e tailleurs.
Nos relatos, que agora lemos, da longa travessia, da chegada, e principalmente da instalação na nova terra, pontuam-se aflições, sensação de desamparo, desilusões. Não era para menos. Por mais que se dêem asas ao delírio, talvez não alcancemos a intensidade do conflito.
Logo, é admirável a resistência, a persistência desses pioneiros da imigração japonesa. Não desistiram, não se dobraram, não cederam. Determinados, arrostaram todas as dificuldades e até mesmo preconceitos. De tal forma que, hoje, cem anos depois, por onde lancemos os olhos, vemos e nos encantamos com os resultados dessa intrepidez.
Todas as barreiras e embaraços foram vencidos. Superamos a distância do idioma, dos costumes. E, agora, quando se anuncia o nascimento do primeiro rokussei, o primeiro tetraneto de um dos passageiros do Kasato Maru, saudamos com entusiasmo a perfeita simbiose entre os nossos povos.
Se é verdade que a sexta geração consolida o enraizamento em nosso país, não é menos verdade que as tradições e a cultura japonesas vão continuar sendo preservadas e cultuadas também pelos rokusseis.
Por ter acolhido e abrigado a segunda maior colônia japonesa no Brasil, o Paraná sempre buscou manter com o Japão relações muito próximas, especiais. Tanto é assim que há 38 anos assinamos com a Província de Hyogo um compromisso de irmandade. Foi de Kobe, capital de Hyogo, que zarpou há cem anos o Kasato Maru, dando início o extraordinário encontro de nossos destinos.
Em maio do ano passado, quando fui ao Japão para formalizar o convite à Família Imperial, para que participasse dos festejos do Centenário de Imigração, estive mais uma vez em Kobe, e reafirmei com o governador Toshizo Ido os tantos acordos de cooperação e de intercâmbio que o Paraná e Hyogo mantém.
Alteza Imperial, príncipe herdeiro Naruhito, reafirmamos aqui o nosso desejo de estreitar ainda mais essa parceria, tanto no campo empresarial, como nos campos cultural, técnico, de ensino e pesquisas. Um interesse que se reafirma quando sabemos que, hoje, cerca de 350 mil brasileiros, descendentes daqueles imigrantes que aqui aportaram há cem anos, vivem no Japão. Agora, são eles que deixam sua pátria à busca do sonho de uma vida melhor.
Paranaenses, ilustres visitantes.
No exato momento em que comemoramos cem anos da chegada dos primeiros imigrantes japoneses, no momento em que festejamos a imigração e a louvamos pelas contribuições ao processo civilizatório, não podemos deixar de lamentar o surgimento de manifestações e legislações xenófobas, discriminatórias, racistas que, principalmente na Europa, perseguem os imigrantes.
Associo-me aqui ao presidente Lula que, na quarta-feira passada, deplorou o endurecimento das regras da União Européia contra os imigrantes. Como disse o governo brasileiro, a decisão “contribui para criar percepção negativa da migração e vai no sentido contrário ao da desejada redução de entraves à livre circulação de pessoas e de um mais amplo e pleno convívio entre os povos”.
Ninguém imigra como quem passeia ou faz turismo. A imigração, desde os primeiros deslocamentos do homem sobre a terra, sempre foi o último recurso de que se lança mão à procura da sobrevivência, de uma vida melhor, mais segura. O próprio continente europeu é um exemplo disso. Talvez nenhum outro continente experimentou deslocamentos tão intensos de populações como a Europa, especialmente a sua parte ocidental.
Hoje, no entanto, na confortável posição de corifeus da globalização, de novos senhores do dinheiro, montados nos lucros ciclópicos da especulação e das commodities, querem os pobres longe de seus jardins.
Brasil e Japão já deram belos exemplos de convivência e respeito, em relação aos seus imigrantes. Podemos ser referência de uma harmonia possível, desejável e necessária.
Príncipe Naruhito, senhoras e senhores.
Desde o início do ano, deste ano do Centenário da Imigração, falou-se muito, escreveu-se muito e ainda há de se falar, discursar e escrever sobre a magnífica contribuição dos japoneses e seus descendentes à vida brasileira. Da mesma forma, citaram-se nomes, biografaram-se personalidades, intelectuais, políticos, cientistas.
De minha parte gostaria de fazer uma citação, uma menção, uma homenagem à participação corajosa, valorosa, heróica de descendentes de japoneses em episódios fundamentais na história recente de nosso país. A participação na resistência à ditadura.
E cito aqui como símbolo dessa resistência o nome do sansei Luís Hirata. Destemido, valente, extremamente dedicado à luta por um Brasil justo, fraterno, solidário e desenvolvido, Luís Hirata deu a vida para o seu povo. No frescor de seus 24 anos, morreu abatido pela repressão.
Como se vê é ampla, intensa, generosa a participação dos japoneses e seus descendentes em nossa história. A eles o nosso muito obrigado. Obrigado por terem vindo. Obrigado pela magnífica descendência que deixaram. Obrigado pela colonização dessas terras. Obrigado pela contribuição na construção do Paraná e do Brasil modernos. Obrigado pelo Luís Hirata e por tantos outros co-autores de nossa história.
Obrigado. A nossa união, a nossa irmandade, os nossos laços são para sempre.
ROBERTO REQUIÃO
Governador do Paraná
Data: 22/06/2008 - Íntegra do discurso do governador Roberto Requião
“Reafirmamos aqui o nosso desejo de estreitar ainda mais essa parceria, tanto no campo empresarial, como nos campos cultural, técnico, de ensino e pesquisas”, destacou
Publicação
22/06/2008 - 19:40
22/06/2008 - 19:40
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