Mais uma vez explico aos paranaenses porque veto Projeto de Lei que veio à minha sanção. E, de novo, faço-o por inescapável imposição constitucional. Não se trata da boa ou má vontade do governante. É a lei e ela ordena.
O primeiro dos vetos diz respeito ao que compete ao Tribunal de Contas, e incluiu-se aí Inciso atribuindo a ele a faculdade de também promover inspeções e auditorias de ordem ambiental.
A matéria ambiental não é da competência do TC, segundo fixa com muita clareza a Constituição Estadual. São prerrogativas do Tribunal a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial nas unidades de todos os poderes e órgãos do estado. Já as questões ambientais são da competência do Ministério Público Estadual e da Procuradoria Geral do Estado. Logo, não existe outra alternativa que não o veto do Inciso V, do Art. 1° da Lei Orgânica.
Vetei também o Inciso XXVI, do Art. 1°, por pretender que o Tribunal de Contas apreciasse, em grau de recurso, as decisões fazendárias de última instância, contrárias ao erário. Mesmo que esse dispositivo esteja na Constituição Estadual, ele confronta princípios e normas que regem o Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais, ferindo a segurança jurídica, a razoabilidade e a competência do Executivo para decidir sobre questões tributárias controvertidas.
Além do que, o Tribunal de Contas não é órgão técnico preparado para análise de questões tributárias, não tem em seus quadros especialistas em Direito Tributário, em ICMS, IPVA ou ITCMD, tributos que envolvem discussões contábeis, teses jurídicas, interpretações sistemáticas. A competência do TC é financeira e administrativa.
Sendo assim, o Tribunal de Contas jamais poderia ser a última instância tributária do Processo Administrativo Fiscal, embora possa – e para tal tem competência – analisar se a conduta do administrador público, seja ele Secretário da Fazenda ou sejam os membros do Conselho de Contribuintes, foi legal, adequada, correta e pautada nos princípios que regem a matéria.
Já o Art. 6° da Lei Orgânica, também vetado, queria que os responsáveis pelo controle interno das esferas públicas estadual ou municipal, ao tomarem ciência de qualquer irregularidade, dessem conhecimento imediato ao Tribunal de Contas, sob pena de responsabilidade solidária.
Realmente, os responsáveis pelo controle interno devem comunicar de imediato irregularidades e ilegalidades, mas não diretamente ao Tribunal de Contas e sim ao Chefe do Poder a que pertencem, sob pena de violação do princípio da independência dos poderes e da hierarquia existente na administração pública.
Por que? Porque a comunicação direta ao TC retiraria da administração condições de rever os seus atos; anularia qualquer possibilidade de análise jurídica para atestar irregularidade ou ilegalidade, suspeita essa que talvez não se confirmasse, já que pode ocorrer equívoco de interpretação do agente controlador.
O Tribunal de Contas deve tomar conhecimento da ilegalidade ou irregularidade através dos seus próprios órgãos de controle, seja na análise de conta, na verificação das metas e dos relatórios bimestrais e quadrimestrais, e na fiscalização constante que exerce.
O Art. 16 determinava que as contas seriam julgadas irregulares quando se comprovassem também dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico ou ainda de ato lesivo ao meio ambiente.
Veto porque, como já ficou claro, matéria ambiental não é de competência do TC, conforme as Constituições Federal e Estadual.
No Art. 20, que fala do trancamento das contas consideradas iliquidáveis, vetei os parágrafos 2° e 3° por mexerem no prazo para que o TC pudesse analisar as contas. Ora, o prazo decadencial não se interrompe e nem se suspende, segundo a doutrina civilista.
A medida faria com que os processos demorassem anos para serem concluídos, caso o prazo de 5 anos somente tivesse início após a última decisão, deixando os responsáveis impunes.
Da forma como foi redigida a norma vetada, a punição não teria efeito prático e educativo, devido ao lapso de tempo decorrido entre a conduta do administrador e a aplicação da penalidade. E, mesmo se aplicada pelo Tribunal de Contas, ela não poderia ser executada por causa da decadência. Além do que, a demora na apuração dos fatos certamente prejudicaria a defesa do administrador público.
Também vetei o Art. 35 porque, novamente, há contradição com a Constituição Federal. Ela diz, com toda clareza, que “a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição”. Portanto, não há como alterar o texto constitucional. Além disso, da forma como foi redigido o Art.35, haveria violação do processo legal pois o Relator não pode ser conhecido por aquele que desencadeia o processo e nem por aquele que será julgado.
O Art. 38, no parágrafo 3°, determinava que a publicidade oficial devesse ser feita nos periódicos do Tribunal de Contas e no Diário Oficial do Estado. Esse parágrafo foi vetado por razão de bom-senso e economia de recursos públicos, já que ambos circulam em todo o Estado periodicamente. Publicar nos dois veículos oficiais é uma multiplicidade desnecessária. É preciso lembrar que, além da publicação impressa, o site oficial de acesso via internet vem se mostrando mais eficiente para garantir a efetiva publicidade dos atos e respostas das consultas formuladas ao Tribunal de Contas.
Mais uma vez, agora no Art. 64, a Lei Orgânica invade competência, no caso da Assembléia Legislativa. Ao contrário do que quer este Artigo, atribui-se, constitucionalmente, à Assembléia, a faculdade de convocar membros do Tribunal de Contas para prestação de esclarecimentos, informações ou justificativas em processos instaurados por CPIs ou para outros fins. E não ao Tribunal de Contas.
O Art. 67, vetado, pretendia que o prazo para interposição do recurso pelo Ministério Público contasse a partir da publicação do Ato. Ora, a jurisprudência do STJ é pacífica: o prazo começa a fluir da data em que o representante do Ministério Público é intimado pessoalmente ou da data em que o processo é entregue no órgão. Logo, impõe-se o veto.
O Art. 93, que também suprimi, falava que a decisão resultante em imputação por débito ou multa, teria eficácia de título executivo extrajudicial e seria executável independente de inscrição em dívida ativa.
A decisão do TC não é título executivo extrajudicial apto a fundamentar uma execução. E, sendo assim, é indispensável e obrigatória a inscrição em dívida ativa e a emissão da respectiva certidão.
Vetei também o parágrafo 1° do Art. 93, porque a prévia inscrição em dívida ativa é exigência legal. Já o veto ao 2° parágrafo, que facultava o protesto do título executivo desde que em fase anterior à execução judicial, foi por absoluta falta de amparo legal. Que fique claro: o protesto do título público executivo é totalmente desprovido de razoabilidade. Além do que o protesto não serviria para a sua finalidade, que é o pedido de falência ou de insolvência do devedor, já que a administração pública, em quaisquer de suas esferas, está impedida de fazê-lo.
O parágrafo 4° do mesmo Artigo, daria ao Tribunal de Contas, em caso de imputação de restituição de valores, o direito de solicitar à Procuradoria Geral da Justiça ou a outro órgão, a adoção de medidas necessárias ao arresto e indisponibilidade dos bens dos responsáveis.
Este é mais um caso de invasão de competência, já que cabe à União legislar sobre processo civil. Assim, se há legislação federal tratando da matéria, então, o Estado do Paraná não é competente para tanto.
Também não é correta a solicitação de medidas processuais à Procuradoria Geral da Justiça, já que a competência para solicitar o arresto ou medida cautelar fiscal é da Procuradoria Geral do Estado.
O Art. 99 dizia que o Tribunal de Contas, em caso de imputação ou cominação de multa, tornava a dívida líquida e certa e com a eficácia de título executivo. Vetei porque já existe legislação federal para isso.
O Art. 103 da Lei Orgânica do TC trata das receitas do Fundo Especial do Controle Externo do Tribunal. O TC queria que fosse transferido para o Fundo o saldo financeiro de cada exercício e também as multas no âmbito administrativo.
O veto é absolutamente justificado porque estamos lidando com receitas públicas, vinculadas ao Tesouro do Estado. E é para o Tesouro que deve retornar o excedente, a fim de que o Executivo possa atender os serviços públicos que são prestados aos cidadãos. Não tem cabimento transferir recursos públicos necessários à saúde, educação, segurança, ao fornecimento de alimentos e remédios, para o Tribunal de Contas. Além disso, abre-se um precedente perigoso para que, no futuro, por qualquer justificativa ou artifício, se lance mão das verbas estaduais.
O Art. 110 dava responsabilidade à Diretoria de Execuções para emitir certidão de débitos, acompanhamento do parcelamento de multas e atualização de valores e cálculos de juros moratórios. Ora, esta é a função da Secretaria de Estado da Fazenda, a quem incumbe centralizar a dívida ativa estadual, sua inscrição e sua cobrança. E a cobrança judicial da dívida ativa cabe à Procuradoria Geral do Estado. Logo, impõe-se o que determina a lei.
Vetei o parágrafo 2° do Art. 126 por estabelecer que apenas profissional com bacharelado em Direito estaria habilitado à vaga de Conselheiro do TC, quando escolhido pela Assembléia Legislativa.
Tal restrição, além de limitar a indicação, não se justifica por causa da natureza da função exercida. A Constituição Federal é clara ao exigir que o Conselheiro do TC tenha notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros, ou de administração pública. Da mesma forma, exige-o a Constituição Estadual. Quer dizer, uma e outra não restringem a ascensão ao Tribunal aos bacharéis em Direito.
O veto ao Art. 129 dá-se por razões semelhantes, ao exigir nível superior àqueles que seriam nomeados Auditores do TC. Novamente, a limitação não se justifica, pois tanto a Constituição Federal quanto a Constituição Estadual exigem que o postulante ao cargo de Auditor tenha notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros, ou de administração pública.
O Art. 138, Inciso I, restringe a participação de membros do Tribunal de Contas, em empresas de capital privado ou economia mista. Veta-se porque os membros do TC são sujeitos a todos os impedimentos da Lei Orgânica da Magistratura. Assim, é desnecessário que isso conste da Lei Complementar, por redundante.
Já o Inciso XVII limita a indicação para cargo em comissão de cônjuge, parentes e afins, exceto no caso de nomeações em que o indicado seja detentor de cargo efetivo no Tribunal de Contas. Pela mesma razão, a proposta da Lei Complementar é dispensável porque já faz parte da Lei Orgânica da Magistratura e consta das determinações do Conselho de Justiça. É evidente que, se já está prevista a proibição de indicação para cargo em comissão de parentes e afins, ela também atinge todos os membros do Tribunal de Contas.
O Inciso XVIII estende aos cônjuges, parentes consangüíneos e afins do servidor efetivo do TC, a proibição do exercício de qualquer atividade paralela ao assessoramento e emissão de pareceres, ou desempenhar funções em escritórios técnicos que atuem na defesa dos interesses dos municípios ou quaisquer outros órgãos públicos e privados junto ao Tribunal de Contas, sob pena de punições estabelecidas pelo Estatuto do Servidor Público.
Louvável o caráter moralizador da medida, porém, sem sustentação. O único que deve ser submetido às normas do Estatuto do Servidor Público é o funcionário do TC e não seu cônjuge ou seus parentes que não façam parte da administração pública estadual. E estes, por sua vez, têm amparo na Constituição Federal, que estabelece o livre exercício de qualquer trabalho, oficio ou profissão.
O Art. 140, no Inciso II, tratava da candidatura a cargos eletivos dos cônjuges, parentes consangüíneos e afins de membros do Tribunal de Contas. Os parágrafos 4° e 5° estabeleciam que, eleitos ou não, os membros do TC ficariam impedidos de exercer suas funções, desde o momento em que fosse concedido o registro da candidatura. E os parágrafos 6° e 7° previam o afastamento das funções do membro do TC, em caso de denúncias, até que fosse concluído o processo administrativo.
Ora, esta vedação só seria possível para casos de detentores de mandato eletivo, mas não se justifica nos casos de candidatos não eleitos e muito menos nos casos onde ele ou ela tenham obtido somente 1% ou mais de votos.
Se assim o desejar ou sentir que é conveniente, o membro do Tribunal pode declarar-se impedido ou suspeito em qualquer situação, mesmo que não envolva seus parentes ou cônjuges. Mais uma vez, aqui, aplica-se a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, inclusive no tocante às punições. Então, se já existem normas de procedimentos, não há porque mantê-las na Lei Complementar.
O Art. 147 diz respeito ao Código de Ética Disciplinar, aplicado aos membros do Tribunal de Contas que, se violado, sofrerão sanções previstas no Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado do Paraná. A razão do veto é clara porque não se aplica aos membros do TC, que são submetidos às determinações da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, e não ao Estatuto dos Funcionários Públicos do Estados.
O Art. 153, parágrafo 3°, foi vetado porque, por simples Regimento, poderá ocorrer a vinculação dos Conselheiros às Inspetorias. Esta vinculação tira dos Conselheiros a liberdade de agir e fiscalizar, na medida em que vincula os inspetores às orientações dos Conselheiros, que devem limitar-se à função de julgadores.
É importante dizer que todos os Estados da Federação já excluíram de suas legislações a vinculação das Inspetorias aos Conselheiros. Elas são subordinadas à Direção Geral sob a orientação direta da Presidência.
Vetei os parágrafos 2° e 3°, do Art. 173, pelo mesmo motivo que vetei o Art. 1°. Novamente, trata-se de matéria ambiental e não há como justificar a criação de cargo de Assessor de Engenharia Ambiental. Conforme foi dito, de acordo com a Constituição Estadual, a questão ambiental não é da competência do Tribunal de Contas e sim do Ministério Público Estadual e da Procuradoria Geral do Estado.
Com o veto do parágrafo 2°, fica justificada a suspensão do parágrafo 3°, já que tratava da progressão na carreira de Assessor de Engenharia Ambiental.
Finalmente, o Art. 175 foi vetado porque diz respeito à matéria regimental e o Tribunal de Contas já é competente para realizar auditorias em operações de crédito. Sendo assim, não justifica a criação dos cargos propostos.
São os vetos que fiz e as justificativas para tal.
Roberto Requião
Governador do Estado do Paraná
Data 20/12/05 - As razões dos vetos à Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Paraná
Artigo assinado pelo governador Roberto Requião sobre os vetos à Lei Orgânica do Tribunal de Contas e suas justificativas
Publicação
20/12/2005 - 11:45
20/12/2005 - 11:45
Editoria