O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) vai bem, obrigada! Em 19 anos, conseguiu se manter em sua essência, com poucas alterações: provocou a ampliação de serviços; estimulou a descentralização das políticas públicas; contribuiu para a elevação da consciência coletiva de proteção às crianças e se posicionou como referência de legislação garantidora de direitos. Mas, acima de tudo, ganhou muitos significados para a sociedade.
Foi concebido na década de 80 e promulgado em 90, fruto da mobilização social das forças populares em defesa do estado democrático e do trabalho de especialistas. Existe para todas as crianças, mas é exatamente para os filhos de famílias pobres (materialmente) que ele se torna imprescindível. As vulnerabilidades de toda ordem expõem aqueles que mais necessitam da ação do estado e das leis. E é no estímulo à construção de oportunidades e na redução das desigualdades que o Estatuto se revela como mais um instrumento importante de transformação social.
Há muito que se dizer sobre esta jornada de 19 anos. É importante lembrarmos aqui alguns sentidos que o Estatuto vem recolhendo ao longo de sua história.
Um olhar cuidadoso para com as crianças e adolescentes está incorporado no espírito e no texto da lei. A infância e adolescência são fases particulares e importantes do desenvolvimento e da formação de sujeitos-cidadãos. Uma lição reforçada pelo Estatuto é a de tratar as crianças e adolescentes de maneira diferente dos adultos.
Para além do aparato legal, o ECA adquiriu um significado de “utopia necessária” onde os direitos fundamentais deverão estar disponíveis a todas as crianças. “Utopia” porque estabelece um horizonte a ser construído e situa a legislação nesta direção. “Necessária” porque é preciso existir uma ponte entre a dura realidade vivida e a perspectiva de um futuro melhor para as nossas crianças.
Mais do que tudo, o ECA ocupou um lugar de símbolo de defesa dos direitos, o que vale dizer que, na cabeça das pessoas, ele existe para proteger e garantir cidadania. Esta é uma boa e correta percepção. Assim, para cada direito, há um dever, até mesmo quando o dever é compreendido como o próprio exercício do direito. Frequentar a escola, por exemplo, é um dever, mas também é o exercício do direito de acesso à escola.
No status de “símbolo” reúne ideias, sentimentos, percepções, ações que são provocadas por ele e outras projetadas além de sua capacidade de provocá-las. Há pessoas que nunca leram o Estatuto e são radicalmente contra ele. Outras que não o leram e são a favor. O que isso significa? Por ser símbolo, passa a representar tudo que está envolvido no universo infanto-juvenil. Os resultados promovidos pelo Estatuto, bem como outros fora de seu alcance, são vistos ou interpretados como de sua responsabilidade. Quando um pai deixa de exercer sua autoridade perante o filho, é culpa do Estatuto? Quando o contexto político-econômico-cultural produz uma violência sistêmica que atinge toda nossa sociedade e expõe ao maior risco crianças e adolescentes, é culpa do Estatuto? A nosso ver, não! O ECA influenciou muitos avanços, mas não deve ser responsabilizado por tudo que acontece à nossa volta.
Outro aspecto que vale ser ressaltado é a brava sobrevivência do Estatuto frente às inúmeras tentativas de modificações. As efetuadas, até aqui, ampliaram garantias, tal como a última que penaliza com maior rigor crimes de violência cometidos contra crianças. Isso acontece porque o princípio da proteção integral prevalece. Quando os sintomas sociais do processo de exclusão se intensificam e atingem nossa juventude, as forças controladoras ensaiam alterar o capítulo que trata do adolescente autor de ato infracional, exatamente o capítulo mais falado, mais conhecido e mais controvertido.
Quanto à estrutura de sistema de garantia de direitos, o Paraná ocupa uma posição de destaque no cenário nacional. São dez varas de justiça especializadas, além das agregadas, nas 155 comarcas do Paraná. O Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedca-PR) tem presença decisiva. Todos os municípios paranaenses possuem Conselhos de Direitos e Tutelares. A Secretaria de Estado da Criança e da Juventude é a primeira do país e a única de caráter estadual até agora. Da receita do governo do Paraná, R$ 30 milhões são destinados todos os anos para o Fundo para Infância e Adolescência (FIA), fortalecendo programas de atendimento à população infanto-juvenil. Esse esforço resultou em avanços inquestionáveis, porém, ainda há muito por fazer.
Talvez mais importante do que a lei em si, seja como o Estado a executa e como a sociedade a interpreta. Que o Estatuto esteja vivo na mente das pessoas e que as instituições estejam cada vez mais preparadas para praticá-lo. Que, ao comemorar o aniversário do ECA, a generosidade para com nossas crianças seja lembrada e a igualdade de direitos praticada, de forma que a esperança de uma vida melhor para novas gerações se concretize.
Data: 13/07/2009 - E o Estatuto da Criança e do Adolescente, como vai?
Thelma Alves de Oliveira, secretária de estado da Criança e Juventude do Paraná e presidente do Conselho Estadual dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes
Publicação
13/07/2009 - 10:30
13/07/2009 - 10:30
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