Em alguns países as concessões rodoviárias oferecem ao usuário uma nova estrada, alternativa à pública existente, de maneira que aqueles que preferem (e podem) pagar por uma via expressa detêm o direito de optar. No Brasil entendeu-se como concessão a transferência do patrimônio público rodoviário para a iniciativa privada, de modo que esta, após recuperar o pavimento e executar algumas obras de melhoria, passou a explorar as estradas mediante a cobrança de pedágio por períodos superiores a 20 anos. E, assim, criou-se um sistema que gera fabulosa receita a um grupo restrito de empreiteiras.
Essa “criativa” modalidade de exploração do bem público em nosso País tem origem na doutrina que procura restringir a participação do Estado em benefício da iniciativa privada (liberalismo), sob o argumento de que faltam àquele os recursos necessários para gerenciar a rede rodoviária. A contradição é que no Estado do Paraná, por exemplo, em 1997 as concessionárias rodoviárias financiaram 70% dos seus investimentos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, tornando-se, portanto, meros intermediários de recursos públicos.
No Paraná o pedágio começou a ser cobrado em junho de 1998. Houve grande reação dos usuários e os governantes da época, para garantirem a reeleição, no mesmo ano reduziram em 50% as tarifas. No início do ano 2000 assinaram um acordo com as concessionárias nos seguintes termos: retorno da tarifa ao valor original (100% de aumento); retirada de 500 km de novas estradas que seriam construídas pelas concessionárias; manutenção dos reajustes anuais das tarifas, acrescidos de reajustes complementares a partir de 2003; postergação de obras de duplicações e contornos rodoviários para além de dez anos em relação à data de conclusão estabelecida no contrato original. Assim os usuários voltaram a pagar a mesma tarifa sem os benefícios das novas obras.
Além de outros inconvenientes das “concessões” brasileiras, esse sistema apresenta um alto custo de arrecadação, ou seja, a implantação e manutenção das estruturas das praças de pedágio consomem mais de 15% da receita gerada. O lucro das concessionárias e as despesas com imposto de renda e administração consomem mais 55% dessa receita, restando apenas 30% para investimentos em conservação, operação e obras como benefício direto ao usuário. Ora, como pode ser socialmente viável um sistema que para existir consome 70% do que arrecada?
O pedágio no Brasil é uma aberração, uma anomalia do conceito de concessão e um desvio desnecessário das atribuições públicas. Esse equívoco das elites governantes está causando enorme prejuízo ao País, na medida em que o pedágio onera o transporte e o preço dos produtos brasileiros, servindo muito mais para o enriquecimento e a concentração de renda de um restrito grupo de empresas do que à sociedade que o alimenta.
Por outro lado, entre a miscelânea de impostos, taxas e tarifas típicas de uma legislação tributária mal concebida e mal remendada, surge a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), embutida no preço dos combustíveis e criada, entre outras finalidades, para destinar recursos à manutenção da infraestrutura de transportes do País. Segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), entre janeiro de 2002 e dezembro de 2005 a Cide rendeu R$ 31,5 bilhões, dos quais apenas R$ 5,4 bilhões foram aplicados na infraestrutura de transportes. Os R$ 26,1 bilhões restantes destinaram-se a formar o superávit primário e pagar despesas gerais dos ministérios, salários e indenizações do governo federal.
Estudos patrocinados pelas Nações Unidas indicam que para arrecadar um imposto ou contribuição como a Cide se gasta cerca de 1% da receita, enquanto que para arrecadar o pedágio gastam-se mais de 15% da receita. Portanto, a Cide além de ser um “pedágio” altamente eficiente, dado seu baixíssimo custo de arrecadação, também estabelece uma relação justa entre o consumidor de combustível e o uso das rodovias, pois quanto mais um veículo consome combustíveis, mais desgasta o pavimento e mais contribui para a manutenção das vias públicas. Os recursos da Cide, desde que aplicados com seriedade, são suficientes para recuperar e manter todas as rodovias do Brasil.
A recente afirmação da ministra Dilma Rousseff pela suspensão do programa de pedágio das estradas, que tanto horror causou ao “mercado”, resulta em enorme benefício para o País na medida em que despertou a inteligência nacional para debater e desvendar os mistérios de um sistema pleno de equívocos, desvios e vícios.
Rogério Wallbach Tizzot, engenheiro civil, secretário dos Transportes do Paraná e Presidente do Fórum Nacional de Secretários dos Transportes do Brasil.
Data: 13/01/07 - "O pedágio no Brasil é uma aberração" - Artigo assinado pelo secretário dos Transportes, Rogério Wallbach Tizzot
Recursos da Cide são suficientes para garantir a manutenção das rodovias, afirma o secretário estadual dos Transportes, Rogério Tizzot
Publicação
13/01/2007 - 18:20
13/01/2007 - 18:20
Editoria