Data 01/09/2005 - Discurso proferido pelo Governador Roberto Requião na abertura da Semana da Pátria, em Curitiba, PR

Discurso foi realizado pelo governador nesta quinta-feira (1) em frente ao Palácio Iguaçu
Publicação
01/09/2005 - 15:18
Editoria
Íntegra do discurso de Requião na abertura da Semana da Pátria 01.09.05 Em meus tempos de criança, a Semana da Pátria eram os dias de glória do Conde Afonso Celso. Eram os dias da gente reler, recitar, discorrer sobre o “Por que me ufano do meu país”. O livro do Conde embalou por muitas e muitas décadas os nossos sonhos de criança. Há muito tempo que o Conde saiu de moda. Há muito tempo que sua visão idílica, romântica e otimista deixou de povoar as nossas fantasias. A realidade de hoje, tão dura, às vezes tão cruel e quase sempre desalentadora, parece impedir a abertura de espaços, laivos que sejam, para os devaneios de Afonso Celso. De fato. Como soltar a imaginação, como fazer poesia sobre a exuberância das nossas matas, como falar de regatos murmurantes, de céus estrelados, dos verdes mares bravios, das riquezas infindas, em tempos como esses que nos dão a viver? Ainda que não seja uma época apropriada à poesia, aos arroubos do Conde, aos fervores do romantismo ufanista, mesmo assim, é preciso sonhar. Mais do que sonhar, é preciso fazer. É preciso reavivar em nossas almas, em nossos corações, em nossos pensamentos, os sentimentos de brasilidade, do orgulho de ser brasileiro. Costumo dizer que sou do tempo em que o hino nacional, a bandeira brasileira e datas como sete de setembro, despertavam em nós um frêmito, uma emoção muito forte. Hoje, como falar da Pátria, como falar do Brasil, da nacionalidade, se há tantas décadas, especialmente na última, tudo é feito para descaracterizar a idéia de nação? A desnacionalização de nossa economia, a venda das nossas empresas – públicas ou privadas – a nossa inserção no mercado global, não como protagonista, mas como fornecedor de matéria prima e mão-de-obra barata, tudo isso correspondeu a uma “desnacionalização” dos nossos sentimentos. Perdemos o orgulho de sermos brasileiros. Dissolveu-se a nossa identidade. As manifestações culturais, tão nossas, tão características, foram suplantadas pela “indústria cultural global” e seus enlatados. Os nossos meios de comunicação, a grande mídia, os editorialistas dos estadões, dos nossos ínclitos semanários, os nossos intelectuais estandardizados pela globalização, e os alegres moças e rapazes que se dizem “animadores culturais” também abduzidos pela cultura global - ah, é claro - os nossos bravos rapazes e moças que se dizem “comentaristas econômicos”, todos eles não perdem oportunidade para tentar ridicularizar, diminuir, desclassificar, ofender, agredir os que se dizem nacionalistas, que não têm medo de se proclamarem patriotas, que se orgulham de ser brasileiros. Estranho tempo este em que as pessoas se constrangem, fogem de manifestar publicamente os seus sentimentos patrióticos, a sua sobranceria nacionalista. Não é para menos. Lendo jornais, revistas, assistindo televisão, ouvindo rádio, indo ao cinema, e verificando a que ponto chegou a desnacionalização das manifestações culturais, fico pensando como as nossas crianças, os nossos jovens vão se relacionar com os conceitos de nação, pátria, com a identidade brasileira. É assustador. É toda uma geração criada e educada distante de seu próprio país. Da história de seu país. Toda uma geração embalada pelo mercado, pelo tal do mercado, deus supremo cujos humores procuram reger as graças e as desgraças – mais estas do que aquelas – do nosso mundo. Há muita gente preocupada com a conjuntura, com os fatos do dia, com as manchetes de hoje, com as denúncias da hora, com os mensalões. Nesta Semana da Pátria, certamente ouviremos muitos discursos, leremos muitos artigos de fundo dos jornalões – com a profundidade de um dedal – relacionando a conjuntura e os sentimentos nacionais. Arengas diversionistas, para engambelar os incautos e fugir do que é principal. O que vemos aí – os tais mensalões – são sintomas, efeito, decorrência e não causa. São distrações, mais uma novela de sucesso garantido, com todos os ingredientes dos folhetins globais. Enquanto isso, enquanto a nação vê a Pátria desvalida mais uma vez expor as suas misérias morais. Enquanto a secretária diz que vai posar nua e o confidente anuncia uma auto-biografia. Enquanto os que fraudaram ontem, compraram votos ontem, inventaram e engordaram caixas-2 ontem, posam hoje de vestais, de éticos, de moralistas. Enquanto a Pátria mãe gentil vê o picadeiro armado e todos concentrados no triste espetáculo. Enquanto isso, sangram as nossas veias para produzir o superávit primário e ensacar mais alguns bilhões de dólares para pagar os juros de uma dívida tão comprida, que ninguém sabe o começo, que ninguém sabe o fim, que ninguém sabe a origem, que ninguém sabe se ela existe ou é mais um fantasma a percorrer essa Macondo em que se transformou o terceiro mundo, esse fim de mundo. Enquanto isso, os vinte mil rentistas que se locupletam desses juros abomináveis, com a sempre prestimosa ajuda dos jornalões, procurando as virtudes do Ministro e dos fundamentos da política econômica praticada com tanto zelo e dedicação pelo terceiro mandato presidencial consecutivo. Enquanto isso, aceleram-se a formulação de reformas para nos reduzir de vez a um simples entreposto comercial, fornecedor de matéria prima e de mão-de-obra barata. Meus irmãos, se estes são os dias que nos dão a viver, caso sejam assim tais dias, vamos simplesmente baixar a cabeça e como ovelhas caminharmos cordatos ao patíbulo? Acredito que não exista uma ocasião melhor do que a Semana da Pátria para, mais uma vez, proclamarmos a nossa decisão de resistir e lutar. Não somos um mercado, não somos uma feitoria, não somos uma colônia. Somos um país. E mais do que um país, somos o Brasil. E aqui caberia muito bem reconvocar o Conde Afonso Celso, para ouvir dele que poucos países do mundo possuem as riquezas e as potencialidades do Brasil. É inacreditável que um país assim encontre-se na entaladela em que os seus governantes o acuaram. Há outro caminho. Um caminho que passa pela recuperação e afirmação de nossa identidade, brasileiros que somos. Que todas as nossas riquezas, que essas fantásticas riquezas que a natureza proveu o Brasil tenham como beneficiário o nosso povo, os nossos trabalhadores. Que a política econômica seja arte de distribuir rendas, criar empregos, gerar o bem estar e a felicidade da nossa gente. Que a generosa utopia de uma sociedade mais igual, fraterna, solidária, feliz, que imolou tantos bravos brasileiras e brasileiros, que enforcou Tiradentes e fuzilou o Frei Caneca, que sacrificou Zumbi e massacrou Cunhambebe, reviva hoje em nossa decisão de resistir, lutar e avançar. Há outro caminho. Que sejamos fortes para percorrê-lo. Que sejamos decididos para conquistá-lo. Que sejamos convincentes para sensibilizar mentes e corações. Que sejamos inteligentes para transformá-lo em realidade. Comecei esta conversa com vocês citando um dos autores de minha infância, o Conde Afonso Celso. E quero concluir citando um outro autor que marcou o início de minha vida escolar, Gonçalves Dias, no poema Canção do Tamoio. É uma conclamação mais do que nunca atual, mais do que nunca necessária: Não chores, meu filho; Não chores, que a vida É luta renhida: Viver é lutar. A vida é combate, Que os fracos abate, Que os fortes, os bravos, Só pode exaltar. Somos brasileiros. Somos bravos, somos fortes. E nada impedirá a nossa decisão de mudar esse país. ROBERTO REQUIÃO Governador do Paraná