Os modelos previdenciários da América do Sul estarão em debate de quarta a sexta-feira (13 a 15) em Foz do Iguaçu no encontro que vai reunir representantes de instituições de diversos países do continente. O 1.º Congresso Sul-Americano de Previdência Pública é organizado pela ParanaPrevidência, em conjunto com a Associação Brasileira de Institutos de Previdência Estaduais e Municipais (Abipem).
Entre os principais debatedores estão o presidente da Caixa de Aposentadoria da Argentina, Daniel Elias, e o professor Manuel Riesco, encarregado pela presidente do Chile, Michelle Bachelet, de remodelar o modelo de previdência chileno. “As informações mais recentes apontam que os efeitos das reformas adotadas no Chile e na Argentina foram extremamente perversos para os segurados servidores públicos”, avalia José Maria Correia, presidente da ParanaPrevidência.
Onda reformista - Correia observa que as propostas reformistas são geralmente inspiradas em conceitos neoliberais adotados também pelo Banco Mundial e se limitam a poucas providências bastante elementares. Entre elas, ele cita redução no valor dos benefícios pagos aos segurados; aumento do tempo de contribuição; estabelecimento da idade mínima para aposentadoria; fator previdenciário; e indução a migração para planos de previdência privados.
A onda reformista, segundo Correia, já teve seu auge no Brasil com a aprovação das emendas constitucionais previdenciárias 20, 41 e 47 – “todas contrárias ao que havia sido estabelecido como conceito pela Constituição de 1988”.
Participantes - O congresso em Foz do Iguaçu será para Correia um bom momento para esse debate seja feito com base nos modelos já implantados nos países sul-americanos. “As colocações e esclarecimentos são aguardados com grande interesse por técnicos e dirigentes de institutos de todo o país, de estados e municípios e devem confirmar o fracasso da onda reformista.”
Os participantes também terão relatos das experiências dos ex-ministros Reinhold Stephanes e Sérgio Cutollo e do ex-presidente do BNDES Carlos Lessa. Participa ainda de painéis e palestras o professor Sergio D’Andrea – jurista, consultor, membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, desembargador federal aposentado, professor titular da Universidade do Rio de Janeiro e autor de diversas obras sobre matéria previdenciária.
Confirmados no encontro estão ainda o presidente da Abipem, João Carlos Figueiredo; o representante do Ministério da Previdência Delúbio Gomes da Silva; os secretários estaduais Nestor Bueno (Planejamento), Maria Martha Lunardon (Administração); o presidente da Fibra, Sílvio Rangel, e a jornalista Magali Santiago, da revista Fundos de Pensão, autora de um dos estudos mais completos sobre previdência na América do Sul; além de presidentes de institutos previdências de estados e municípios brasileiros.
Referência - A ParanaPrevidência, referência em termos de gestão de regime próprio de servidores públicos, manterá no local um grupo de técnicos que fará a exposição dos sistemas de capitalização e dos métodos administrativos que a levaram a atingir R$ 4,6 bilhões em ativos - tornando-a a maior instituição do Brasil em sua categoria.
“Esse volume de ativos projeta, segundo os atuários especializados, que, a partir de 2018, já cerca de 50% da folha de pagamento dos aposentados e pensionistas seja assumida pela ParanaPrevidência e, em 2050, esse percentual chegará a 100%. Isto vai desonerar completamente o Poder Executivo e o Orçamento Geral do Estado desse dispêndio, o que permitirá investimentos sociais de grande porte pelo Governo do Paraná”, aponta José Maria Ferreira.
Box 1 – Artigo de Paulo Kliass, doutor em Economia, sobre previdência pública
A previdência pública não é problema, é solução
Há muita mistificação por trás do propalado déficit da Previdência. Não se computam a totalidade das entradas e nem as dívidas de empresas para com o sistema. Ao mesmo tempo, a imprensa não reclama de outra conta realmente insustentável, a da dívida pública.
Como o IBGE acaba de divulgar novas informações, felizmente confirmando o aumento da expectativa de vida de nossa população, não vai demorar muito para a vinda da tempestade de propostas de reformas profundas no sistema de Previdência Social. Contando com o desconhecimento da maioria das pessoas a respeito de tema tão complexo, os interessados em desmontar o sistema público apelam para imagens dramatizadas do tipo “elevado déficit”, “modelo insustentável”, “a previdência está quebrada”, entre outras.
Antes de qualquer coisa, é importante observar que um sistema previdenciário público não pode ser analisado, como muitos tentam fazer, como simples contabilidade de caixa de uma empresa, em que se comparam as receitas que entram e as despesas que saem a cada período. Caso haja diferença em favor das despesas, bingo: o sistema está em déficit e ponto final!
Grosso modo, pode-se definir a previdência como um mecanismo de solidariedade intergeracional, onde os que estão ainda em atividade laboral contribuem para o sistema, de forma a garantir recursos para os que já trabalharam e estão usufruindo o período de aposentadoria.
Exatamente por ser um mecanismo de longo prazo e com mudanças permanentes em seus fatores, a previdência deve sofrer ajustes e correções ao longo do tempo. Se a população passa a viver mais, se a taxa de natalidade cai, se o desemprego aumenta e outras variações, tudo isso significa que serão necessárias alterações para que o sistema continue viável.
Porém não é disso que se trata no debate atual sobre a crise previdenciária. Ao levantar suas baterias contra o modelo do INSS e responsabilizá-lo pela profunda crise fiscal do Estado brasileiro, os interesses do capital financeiro se revelam de forma objetiva. Manipulam informações e estatísticas de acordo com sua conveniência para desmoralizar o modelo público e sugerir, com toda a sutileza, a adoção de “regras de mercado” - o ente todo salvador - para a sobrevivência do sistema.
As manchetes e os números - As manchetes gritam: R$ 30 bilhões de déficit do INSS. Realmente, os valores podem assustar. Mas o que se esconde por trás dos números? Em termos bem objetivos, significam que ao longo de um ano, o caixa da previdência social recebeu o correspondente a esse valor a menos do que o total de suas despesas. E daí, perguntaria o outro? Vamos tentar uma visão de conjunto, começando pelas partes.
Um primeiro aspecto a considerar diz respeito a um contingente de pessoas que recebem a chamada aposentadoria especial. São milhões de trabalhadores rurais que foram incorporados pela Constituição ao sistema previdenciário, mesmo sem terem recolhido suas respectivas contribuições ao INSS, ao longo de sua vida laboral. Foi um reconhecimento constitucional, justo do ponto de vista social e cidadão. Trata-se de uma parcela marginalizada da sociedade e contemplá-los com a aposentadoria de um salário mínimo mensal é o mínimo que o País pode fazer para compensar séculos de isolamento. Assim, vários especialistas já demonstraram que o Tesouro Nacional deveria recolher a sua contrapartida das contribuições desses participantes, caso contrário o caixa do INSS ficaria realmente deficitário: só ocorre a saída do dinheiro para pagar as aposentadorias e não entra o recurso de contribuições. Mas os sucessivos governos preferiram utilizar recursos do orçamento para pagar juros ao invés de reconhecer a necessidade de justiça social.
Os relatórios da Previdência Social exibem valores próximos a R$ 100 bilhões (sim, é esse mesmo o valor – dá para cobrir mais de 3 anos de déficit) como dívidas líquidas e certas de empresas junto ao INSS (dentre elas, empresas públicas como Petrobrás e Banco do Brasil) e demais pagamentos atrasados. Ora, esse tipo de valor também deve entrar na transparência contábil da previdência. Caso contrário, continua a mesma lógica: o problema não seria de receita, apenas de despesa. E cortam-se os benefícios em vez de cobrar os sonegadores e maus pagadores. Da mesma forma que no caso anterior, esses valores não podem ser atribuídos a um sistema “falido” de previdência. Melhor seria que o tão propalado choque de gestão venha no sentido de agilizar tais cobranças e não de penalizar “os inescrupulosos”, que com sua “fortuna mensal” de um salário mínimo estão levando o Estado brasileiro à bancarrota...
Pilantropia e burlas na legislação - É conhecido de todos a velha prática tupiniquim da pilantropia e de outras malandragens empresariais para não recolher os valores devidos à Previdência Social. Há estudos mostrando que por volta de 20% do déficit seriam sanados caso houvesse um efetivo controle desses verdadeiros malabarismos criados para burlar a legislação. É o caso dos clubes de futebol, das igrejas de todos os credos, das empresas travestidas de cooperativas de trabalho de fachada, dentre tantos outros.
As dificuldades crônicas existentes para a criação e o desenvolvimento de microempresas elevam em muito a chamada informalidade no mercado de trabalho. Assim, uma parcela significativa de atividades se faz há muito tempo à margem das regras, com contratos de trabalho informais e sem o recolhimento de previdência social. Caso tais empreendimentos sejam incorporados, como se espera da Lei das Pequenas e Médias Empresas, haverá um aumento significativo das contribuições. A lógica de caixa do INSS se verá, portanto, reforçada.
Assim, caso levemos em conta todos os fatores acima listados, ver-se-á que o sistema da Previdência Social em nosso País não é deficitário. Ele apenas está estruturado de uma forma que não incorpora todas as receitas, como deveria ser feito em qualquer modelo de administração pública honesta e transparente.
Tributação regressiva - Há ainda outro aspecto muito significativo. O sistema tributário brasileiro, ao contrário que se imagina, é muito regressivo. Ou seja, pagam proporcionalmente mais imposto aqueles que ganham menos. Assim, a totalidade dos beneficiários do INSS recolhe aos cofres públicos, na forma de tributos municipais, estaduais e federais o equivalente a 30% do que recebem todo mês. São os impostos cobrados compulsoriamente na compra das mercadorias ou dos serviços.
Há regiões do País, setores da economia e municípios que dependem fundamentalmente da renda proveniente das pensões e aposentadorias. Com o aumento do desemprego e a cessação de atividades econômicas, os aposentados contribuem para a manutenção da renda familiar e formam um ciclo específico na economia local, inclusive facilitando crédito no pequeno comércio (a famosa compra fiada, pois o pagamento do INSS é tido como seguro). Some-se a isso a recente possibilidade de empréstimo consignado, com a garantia de recolhimento compulsório do valor da prestação diretamente para o agente financeiro.
Dessa forma, como se pode perceber, as contas previdenciárias não são problema! Pelo contrário, elas têm a incrível capacidade de atuar como efeito multiplicador sobre as atividades econômicas, criando demanda, estimulando a geração de emprego. O resultado das despesas efetuadas pelo beneficiário do INSS não é peso para o País ou para a crise fiscal; na verdade, é uma solução!
É claro que várias mudanças são necessárias. Mas na direção contrária ao proposto até agora. O discurso conservador continua uníssono: cortar benefícios e nada mais. E sempre foi assim: desde a época da inflação elevada que corroia o poder de compra dos salários e benefícios, até o período posterior a 1998, quando foi implementado o famigerado fator previdenciário.
O governo Lula manteve tal política injustificável de redução do valor das aposentadorias do INSS, inclusive não concedendo o valor do reajuste do salário mínimo a todos os beneficiários. Na prática, ela tende a aproximar todos os benefícios ao valor de um salário mínimo, mesmo para aquelas aposentadorias já concedidas no passado. Quando verificamos o perfil de distribuição de tais valores, percebe-se que mais de 80% das pessoas aposentadas recebem, no máximo, até um salário mínimo. Basta olharmos ao redor e verificarmos a quase inexistência de pessoas que recebam o benefício a que fariam jus, na escala de 1 a 10 salários. Assim, na prática, os aposentados se vêem na obrigação de continuar a trabalhar para sobreviver.
Bombardeio privatizante não fala da dívida - Mas o bombardeio contra a previdência pública continua. Desde a proposta mais radical de privatização total, utilizando o exemplo chileno para tanto, até a simples continuidade da política de redução dos valores dos benefícios. Entre estas últimas estão a elevação das idades mínimas para obter o benefício e a irresponsável proposta de desvincular, formalmente e de uma vez por todas, o piso do salário mínimo do piso da previdência social. A primeira geração chilena a buscar os benefícios do sistema imposto manu militari depois do golpe de Pinochet está vendo os riscos da privatização: os fundos começam a sumir. Quanto a desvincular o salário mínimo da previdência, trata-se de mais um capítulo da interminável tragédia proposta pelas elites das terras de Macunaíma: o salário mínimo, na verdade, seria muito alto. Podemos provar que se pode viver com menos do que seu valor mensal!
Ora, se existe algum sistema que seja estruturalmente deficitário e onde o gasto de recurso público seja mal feito, seguramente não é o caso do sistema previdenciário público brasileiro. Se compararmos, por exemplo, com o sistema de gastos com a dívida pública, este último é que não se sustenta. Há apenas saída de recursos para pagamento de juros, em atividade puramente financeira, com o aumento do valor total da dívida e um enorme sacrifício imposto ao conjunto do País. Na outra ponta, há uma pequena parcela de beneficiados por tal estratégia de transferência de recursos públicos. E quase nunca as manchetes gritam: R$ 150 bilhões de déficit!
Aqui, sim, há necessidade de uma mudança radical.
Paulo Kliass é doutor em Economia e membro da carreira federal “Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental”. Atualmente cumpre programa de pós-doutorado na França.
Artigo publicado originalmente na Agência Carta Maior – www.agenciacartamaior.com.br – em 7 de dezembro.
Congresso Sul Americano debate modelos de previdência
Encontro organizado pela ParanaPrevidência, em Foz do Iguaçu, conta com representantes da Argentina e do Chile
Publicação
12/12/2006 - 15:09
12/12/2006 - 15:09
Editoria