A Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar) iniciou o cadastramento dos moradores de 13 comunidades quilombolas do município de Adrianópolis, no Vale da Ribeira, divisa com o estado de São Paulo, para planejar e definir a construção de moradias para as famílias remanescentes de escravos, que vivem na região há mais de 200 anos.
O cadastramento está sendo feito em etapas pelos técnicos sociais da Cohapar, Sanepar e agentes de campo do Grupo Clóvis Moura, criado em 2005 para integrar as comunidades quilombolas com o Governo do Estado.
“É um trabalho árduo, mas muito gratificante”, disse a técnica da Cohapar, Cristina Casagrande. As comunidades ficam em média 8 quilômetros distantes umas das outras. “Em muitos casos é necessário passar por rios, ponte feita de um tronco de árvore ou pinguelas, andar por dentro da mata, subir e descer morros, pisar na lama quando chove, além das mordidas de insetos”.
A maior parte das famílias vive em condições de pobreza, cultivando alimentos e pequenos animais para o próprio consumo. Muitos ainda moram em barracos de pau a pique misturado com barro, divisórias em bambu, pouca mobília, chão batido e fogão de barro à lenha.
História - Pela própria cultura herdada de seus antepassados, as famílias ainda mantêm as cozinhas construídas, de maneira precária, do lado de fora da casa. Os locais são de difícil acesso, entre as serras do Vale do Ribeira, costeados pelo rio de mesmo nome. “Hoje as coisas são mais fáceis”, afirma dona Dorvalina Pontes de Matos, 71 anos, casada com Nicolau Dias de Matos, 81 anos. O casal é o mais velho da comunidade Córrego das Moças, onde vivem 29 famílias. “Antigamente não havia estradas de chão, nem luz. Médico era só a benzedeira e remédio só as ervas”, recorda dona Dorvalina, avisando que ainda hoje usa chás para se curar das enfermidades. “Quando veio a luz, foi maravilhoso. Pudemos ter uma geladeira, televisão e rádio”.
Dorvalina e o marido Nicolau estão aposentados. “Trabalhamos a vida toda na lavoura, desde criança. Assim foi com nossos pais e os pais dos nossos pais. Aqui a gente crescia cuidando da roça, senão não tinha o que comer. Nunca fiquei doente. Criei todos os filhos carregando feixes de cana, lenha, cestos de mandioca. Tudo o que um homem fazia, a gente também fazia”, conta enquanto prepara o almoço num fogão a lenha.
O casal, juntos há 58 anos, teve 11 filhos. O pai dela morreu com 112 anos e a mãe com 111. “Hoje em dia, os filhos não querem mais saber da roça. Quando crescem, estudam e vão embora tentar a vida na cidade. Poucos ficam por aqui”.
Líder respeitado pela comunidade, ‘seu’ Nicolau fez da sua casa um local para rezas e missas. Depois de muitos anos construiu uma pequena igreja ao lado da casa, cujos padroeiros são Santa Ana e São Sebastião. Na casa também são feitas as reuniões dos órgãos públicos com a comunidade.
Quilombolas – são os descendentes de escravos que permaneceram nas terras dos antigos quilombos. Os quilombos foram comunidades organizadas pelos escravos que fugiam dos donos de terras. Eram locais distantes e de difícil acesso, geralmente “montanhosos”, para impedir que fossem capturados pelos capitães do mato, a mando dos senhores de engenho. As serras, lugares de ampla visão, serviam para os escravos fugitivos poderem avistar uma possível aproximação dos caçadores.
‘Seu’ Nicolau conta que o bisavô ‘caçou’ a sua bisavó (índia) no laço. A história foi relatada a ele, pelo pai. “Meu pai dizia que muitos negros fizeram isso para ter uma família, pois não havia muitas negras no quilombo e as que existiam, geralmente já eram casadas”.
Depois da abolição da escravatura, muitos negros ficaram sem ter para onde ir. Com o passar dos anos foram constituindo famílias e miscigenando a raça com etnias européias e índias. Ainda hoje é comum encontrar quilombolas com olhos verdes, azuis e também com traços de índios.
Maria Cristina Casagrande e Grace Kelly Brites, ambas técnicas da Cohapar, estão acompanhadas neste trabalho de cadastramento por Benedito Henrique de Oliveira, fiscal de obras da Sanepar, e Agnaldo José de Souza, professor de história da rede estadual e agente de campo do grupo Clóvis Moura.
Inédito - O presidente do Grupo de Trabalho Clóvis Moura, Glauco Souza Lobo, disse que a iniciativa do governador Roberto Requião, em desenvolver uma política voltada aos quilombolas, é uma decisão única no Brasil. “Não existe nada parecido. O Paraná saiu na frente para resolver e tratar desta questão”, disse.
A construção das moradias foi uma determinação do governador Roberto Requião, que pretende fazer específicas nessas comunidades em parceria com a Sanepar, Copel e outros órgãos estaduais da área de educação, saúde, criança e juventude, além da agricultura e meio ambiente.
Para o presidente da Cohapar, Rafael Greca, o Governo do Paraná avança socialmente no momento em que o governador determina uma série de ações de desenvolvimento humano e de promoção social dessas famílias. “Não é só o trabalho de reconhecimento, mas de melhoria da qualidade de vida e promoção humana e social destas comunidades”, afirmou Greca.