No último dia 28 de agosto a nação brasileira relembrou um acontecimento que marcou profundamente a história recente do país. Nesta data foram completados 30 anos desde que o último presidente militar, o general João Figueiredo, sancionou a lei 6.683, que permitiu o retorno de milhares de pessoas que estavam exiladas porque não silenciaram diante do regime discricionário imposto pelos militares em 1964.
Passados tantos anos, é necessário analisar com clareza alguns fatos que levaram a assinatura e o que a Lei da Anistia representou para a sociedade brasileira e da América do Sul. Não restam dúvidas que este fato contribuiu para o retorno da democracia no país. Isto só ocorreu porque os coronéis sentiram que era impossível lutar contra a vontade da nação.
Agora, quem pensa que a Lei da Anistia foi a redenção de todas aquelas atrocidades do regime armado está enganado. Para que ela fosse assinada, foram incluídos termos que deixaram margens contestáveis. Na súmula ficou definida que ela seria “ampla, geral e irrestrita”.
Ora, a anistia não foi apenas para os exilados. A inclusão da palavra “irrestrita”, condição para o Congresso Nacional aprovar a lei, também anistiou aqueles militares, que por muitos anos massacraram a população brasileira e quem não se curvou ao regime. Em artigo recente afirmei que a lei da anistia não apagou e não vai apagar os crimes cometidos pela ditadura. Crimes estes que são imprescritíveis, não acabam simplesmente.
Não podemos esquecer também que a lei permitiu avanços significativos para o regime democrático e a volta de personagens que tiveram participação direta neste processo. Talvez o caso mais emblemático de todos é o do ex-governador Leonel Brizola, que chegou ao Brasil em setembro de 1979, após 15 anos de exílio. O presidente nacional do MDB, o deputado Ulysses Guimarães, designou-me oficialmente para ir recebê-lo, uma vez que Brizola retornou ao Brasil por Foz do Iguaçu. Na época eu presidia o MDB do Paraná.
Agora, se engana quem pensa que o simples retorno mudou alguma coisa na condição de exilado de Brizola. O ex-governador, que faleceu em 2004, só recebeu o reconhecimento oficial de anistiado político em 13 de outubro de 2008, a partir de um pedido de sua ex-companheira Marília Guilhermina Martins Pinheiro, feito à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
Levantamentos de instituições de defesa dos direitos humanos indicam que mais de 4,6 mil pessoas que haviam sido exiladas, pudessem retornar ao país. Só para ter uma idéia de como o regime militar se impôs, apenas nos primeiros meses da ditadura, mais de 50 mil líderes sociais, sindicalistas, intelectuais, professores, estudantes entre outros foram presos. De 1964 a 1979, 7.367 pessoas foram acusadas judicialmente e 10.034 sofreram inquérito. Neste período ocorreram quatro condenações formais à pena de morte, não executadas graças à pressão popular.
É bom frisar que passados 30 anos da Lei da Anistia o debate permanece em aberto na agenda política brasileira e uma seqüência de eventos tem contribuído para isto. O Brasil passou a ser réu na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, no caso da Guerrilha do Araguaia, acusado de não investigar os desaparecimentos e de não fornecer informações sobre o episódio aos familiares das vítimas.
Em 1995, foi promulgada a Lei 9.140, conhecida como “Lei dos Desaparecidos”, que reconheceu como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação política. A iniciativa criou a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, vinculada a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.
É bom frisar que outros países também adotaram medidas mais duras. A Argentina, por exemplo, derrubou as leis Obediência Devida e Ponto Final – de teor semelhante à lei de anistia brasileira. Outro caso é de 1998, quando o juiz espanhol Baltazar Garzón ordenou a prisão do ditador chileno Augusto Pinochet, em Londres, por crimes contra a humanidade.
No Paraná, o Governo do Estado criou uma comissão para analisar casos e indenizar ex-presos políticos. Também promoveu a abertura dos arquivos da ditadura que vão integrar o “Memórias Reveladas – Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil (1964-1985)”, recentemente lançado pelo governo federal. São ações como estas que mostram que a luta valeu a pena. Já está na hora de acabarmos com a impunidade dos torturadores que agiram a mando da Ditadura Militar.
(*) Waldyr Pugliesi é deputado estadual, líder do PMDB na Assembleia Legislativa e presidente do Diretório Estadual do PMDB (www.waldyrpugliesi.com.br – e-mail waldyr@waldyrpugliesi.com.br)